Na sexta-feira (8) foi comemorado o Dia Mundial do Urbanismo. Para lembrar a data, o Tribuna de Jundiaí conversou com o arquiteto e urbanista Araken Martinho, responsável por uma das construções mais importantes de Jundiaí: o Paço Municipal.
O arquiteto e urbanista, que tem 87 anos, se formou pela Universidade de São Paulo (USP) em 1956. Filho de um desenhista que trabalhava na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, cresceu rodeado por engenheiros e se apaixonou pelos desenhos do pai.
Ao Tribuna, ele falou um pouco sobre sua obra mais célebre em Jundiaí, sobre conceitos de urbanismo e sobre a necessidade de Jundiaí se encontrar como cidade em meio às mudanças constantes do mundo moderno.
Tribuna de Jundiaí: Como arquiteto e urbanista, a sua obra mais célebre em Jundiaí é o Paço Municipal, em uma localização que deixa o prédio – sede do poder público executivo – ficar em evidência. Qual foram os conceitos que você quis aplicar nessa obra?
Araken Martinho: Quando comecei a pensar nesse projeto, tinha que pensar em algo que abrigasse todas as secretarias. Para conseguir colocar todas, daria um prédio de 18 andares. Em cima daquele morro, um prédio de 18 andares não ficaria bom. Então parti para uma segunda etapa: por que não fazer dois prédios de 8 andares cada? Na hora que coloquei eles, um do lado do outro, tive a ideia de fazer disso um prédio só. Comecei a consultar a equipe que venceu o concurso da obra comigo e eles me mostraram que seria de grande utilidade um andar na metade do outro, que isso daria uma ventilação no prédio pelo pátio interno. Começou por uma solução de ventilação e iluminação. Aquele prédio, naquele tamanho todo, só tem ar condicionado na sala dos secretários, o resto é tudo ventilação natural. Se não fosse assim, o que teria sido gasto nesses 30 anos só em energia? Lá a ventilação passa pelo conjunto inteiro. Se você observar, se você decide descer os andares, é como se estivesse descendo em uma rampa. Você pode descer o prédio inteiro pela circulação.
TJ: Como você definiria o conceito de urbanismo? Qual a importância da correta aplicação desse conceito em cidades urbanas como Jundiaí?
AM: Estava inclusive discutindo isso hoje, na Prefeitura de Jundiaí. Jundiaí possivelmente seja uma das cidades que mais tenha que estudar com profundidade a questão do urbanismo. É uma cidade que desde o começo do século passado, por conta do café, da Companhia Paulista e depois das empresas locais, se transformou em uma cidade industrial. Ela foi a cidade industrial, do meu ponto de vista, mais importante do paós. Na época chegou a ser comparada com Manchester, na Inglaterra, fato que fez com que tivesse ocupação em todos os espaços da cidade. Todas as indústrias mais importantes tinham sede aqui, mas a globalização veio e de um ano para o outro nós deixamos de ser uma cidade industrial. Jundiaí cresceu baseada em uma áurea industrial que hoje desapareceu. Hoje ela [a cidade] ainda vaga à procura do que deve ser, uma cidade que está à procura do seu destino. Apesar de ter muita gente competente, não tem aquela indústria que ela tinha. Uma coisa fácil de perceber é ao notar os prédios da cidade que começaram a ser construídos exatamente para abrigar gente de fora, tornando Jundiaí uma cidade dormitório.
Sobre a aplicação dos conceitos do urbanismo, esses têm que ser tomados desde muito cedo. Em Jundiaí isso foi pensado já desde a década de 60. O único problema é que tudo que foi pensado como teoria, tem que ser revisto e refeito. Antigamente, para pensar em uma cidade, você pensava no que era uma cidade: um lugar em que se desempenham o local de habitar, trabalhar, recrear e circular. Era uma visão funcionalista da cidade. Hoje a cidade não é mais isso e sim um lugar onde acontecem fluxos, por meio das várias estradas que temos aqui. As indústrias que tínhamos, não temos mais. Não sabemos muito mais onde estão os centros da cidade e vira uma cidade mais de shoppings: as pessoas vão, em momentos de recreação, para os shopping. Assim, a função da cidade fica um pouco solta no ar.
TJ: Recentemente, o projeto de revisão do Plano Diretor foi aprovado pela Câmara, com o intuito de estruturar o crescimento e o desenvolvimento da cidade de forma organizada nos próximos anos. Quais são os principais apontamentos que você tem a fazer sobre esse plano?
AM: O Plano Diretor, a ideia de planejamento de Jundiaí, sempre foi levada a sério no ponto de vista de organização do espaço, mas um dos grandes problemas de Jundiaí é que a cidade já era uma cidade industrial, ela não teve que pensar a respeito do que ela deveria ser. Era industrial e acabou. Quando esse mundo termina, Jundiaí não sabe qual é o seu papel. Industrial? Não é. Agrícola? Não é. O que eu espero com ansiedade é algumas coisas que podem mexer com essa estrutura, como a ferrovia intermunicipal que pode ser reativada. Isso pode retomar uma relação entre municípios vizinhos, criar um movimento entre eles.
Sobre o Plano Diretor, tudo está previsto ali, acerca do planejamento da cidade a longo prazo. Mas acho que está na hora de ser mais do que isso. A gente não sabe o que a cidade deve ser. Tenho a impressão de que temos que pensar um pouco nessa modernidade, para descobrir nossa função como cidade nesse meio.
TJ: Como uma cidade pode crescer de uma forma organizada? Quais os principais obstáculos que devem ser enfrentados pelo poder público?
AM: A primeira coisa a se pensar é descobrir que cada cidade tem uma certa função no território. Campinas, por exemplo, é uma cidade que primeiro foi o local da terra fértil que deu o café, um local de grandes fazendas. Essas fazendas trouxeram a ferrovia. Mas o que mais deu identidade foi a educação: foi uma cidade que investiu nas escolas, em grandes universidades, como a UNICAMP, a PUC. É uma cidade que se caracterizou por isso e desenvolveu às vistas disso.
Sobre os principais obstáculos, eu acredito que seja tentar estar sempre obediente à legislação. Eu acho Jundiaí uma cidade pavimentada demais, onde falta infiltração de água, falta jardins. A cada prédio que é construído, você deveria ter o peso da área desse prédio em jardins. Você tem menos área de jardim, o que ocasiona menos chuvas, menos infiltração de água, afetando principalmente os lençóis freáticos. Os rios estão mais secos por conta disso.
TJ: Como seria a cidade ideal, urbanisticamente falando?
AM: É muito difícil dizer como seria a cidade ideal. A cidade em si vem de uma série de definições que se unem umas as outras. Eu participei do concurso de Brasília. Como projetar Brasília? Era uma cidade para administrar. O Senado e a Câmara, o Presidente da República, todos estão lá. Há pessoas que moram em Brasília, em um projeto muito bem feito. Mas as moradias nas outras cidades vão somente crescendo. Lá são unidades residenciais projetadas, onde há um comércio para esses grupos. É uma cidade pensada. As outras cidades, por outro lado, crescem naturalmente, ao sabor do comércio local, ao sabor do desenvolvimento, como é o caso de São Paulo. Às vezes fica até impossível ter uma cidade ideal, há casos que já não tem o que fazer.
Em Jundiaí temos algumas vantagens, como a proteção da Serra do Japi. Como a gente conseguiu fazer o tombamento da Serra do Japi, a gente tem a garantia dessa grande área, essa grande massa de florestas, o que evidentemente reforça a qualidade de vida aqui. Em matéria de água, como já comentei, hoje nossos rios têm menos volume de água, mas essas cosias são possíveis de serem revistas.
O grande problema que vejo hoje, isso em todas as cidades, que dificilmente você consegue articular uma função para a cidade, o modo da nova economia não permite isso. Há uma velocidade de mudança tão grande que você não sabe nunca o que será daqui a cinco anos. No caso de Jundiaí não é uma tarefa fácil. No período de industrialização fomos uma das poucas cidades no mundo e da noite pro dia esse processo de estar no mundo muda. Mas sobre o povo jundiaiense, eu acredito que é um povo muito guerreiro, muito organizado e muito honesto. Acredito muito na cooperação de Jundiaí. Vamos descobrir um jeito para abrir uma janelinha certa.