Na última quarta-feira, dia 4, foi comemorado o Dia Mundial da Pessoa com Deficiência. De acordo com o Censo do IBGE de 2010, o Brasil tem 45,6 milhões de pessoas com ao menos um tipo de deficiência, o que corresponde a 23,9% da população brasileira. A média mundial aponta que 15% da população é de pessoas com deficiência.
Mesmo sendo um número tão significativo, essas pessoas ainda encontram uma série de dificuldades de inclusão. Em Jundiaí, a Assessoria de Políticas para a Pessoa com Deficiência, comandada pelo assessor Marco Antonio dos Santos, busca incluir as pessoas com deficiência em todas as áreas.
Confira entrevista:
Tribuna de Jundiaí: Em primeiro lugar, qual o conceito de pessoa com deficiência? Quem se enquadra no conceito?
Marco Antônio dos Santos: A Organização das Nações Unidas, através da Convenção das Pessoas com Deficiência, define como pessoas com alguma limitação de longo prazo, de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, em qual a interação com uma ou mais barreiras pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade plena com as outras pessoas.
Ainda de acordo com a lei brasileira de inclusão, houve uma alteração no paradigma de definição. Antes, a deficiência estava no corpo das pessoas, mas com essa nova definição ela sai do corpo físico e passa a estar no corpo social, de forma que são as barreiras sociais que impedem que as pessoas com deficiência possam disputar com igualdade em relação as outras pessoas. Antes era um modelo médico que dizia que a deficiência estava no corpo e as pessoas se sentiam incapazes.
Já o documento da ONU, ele foi o primeiro construído com a participação direta do segmento das pessoas com deficiência, então isso faz com que, além de uma questão legal, se incorpore na lei as necessidades reais das pessoas com deficiência. A gente deu um passo importante nessa mudança. Se deram as condições necessárias, elas vão disputar em igualdade com as demais pessoas.Tribuna de Jundiaí:
TJ: Houve uma mudança sobre a terminologia usada, que de “portador de deficiência” passou a ser “pessoa com deficiência”. Pode explicar o motivo da mudança e a importância dela?
MAS: Se a gente olhar ao longo da história, as pessoas com deficiência já foram chamadas de inválidas, incapazes, defeituosas, dentre outros nomes… Em 1981 a gente tem ‘O Ano Internacional da Pessoa com Deficiência’ e foi um ano importante, porque foi a primeira vez que o substantivo pessoa é utilizado, passando a ser pessoa deficiente. A gente avançou com a Convenção da ONU, que conveniou a chamar de pessoa com deficiência em todo o mundo. Pessoa, ser humano, com direitos humanos e com direitos igual a todas as pessoas. A pessoa com deficiência vira então uma questão de direitos humanos, o que traz um salto na qualidade na luta da pessoa com deficiência no Brasil. E o pessoa com deficiência é porque é uma condição diferenciada e que se for atendida, como a acessibilidade por exemplo, serão eliminadas as barreiras.
TJ: Nessa semana ocorreu o II Fórum de Empregabilidade da Pessoa com Deficiência. Qual é a maior dificuldade encontrada pelas pessoas com deficiência em relação ao emprego?
MAS: A Lei de Cotas, nº 8213/91, completou nesse ano 28 anos. Nós podemos observar que existe um aumento gradual no numero de vagas e na ocupação de vagas por pessoas com deficiência. As principais dificuldades é que muitas empresas ainda oferecem cargo chão de fábrica, mais para área operacional, de produção. Temos pessoas com deficiência qualificadas que encontram mais dificuldades. As vagas que são oferecidas são vagas para pessoas com deficiências mais leves. A pessoas com deficiência mais grave têm mais dificuldade em ocupar uma vaga, mesmo que elas tenham qualificação. E aí existe o caminho do concurso publico que pode ser uma possibilidade. Jundiaí, uma das poucas cidades do Brasil, aumentou a cota de 5% para 10%, então isso também é um avanço. A Lei de Cotas só serve para empresas privadas com mais de 100 funcionários, que precisam cumprir a cota de 2% a 5% por trabalhadores reabilitados pelo INSS ou pessoas com deficiência.
No Fórum abordamos uma coisa que essa nova legislação traz na classificação das pessoas com deficiência. Foi criado um novo grupo, da deficiência psicossocial, que inclui doenças como transtorno obsessivo compulsivo, bipolaridade, depressão maior, esquizofrenia, dentre outros, que passam a entrar na Lei da Cota para trabalho. Em Jundiaí temos parceria com o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e estamos conseguindo incluir profissionalmente em torno de 20 pessoas com deficiência psicossocial. Isso a melhorar a saúde mental dessas pessoas, já que o trabalho também é um elemento que fortalece e contribui, fortalecendo a autoestima e autoimagem.
TJ: A Prefeitura de Jundiaí lançou, em 2018, o portal Inclusão, voltado ao estímulo da empregabilidade das pessoas com deficiência. Como funciona esse portal? Ele tem colhido bons frutos desde então?
MAS: É um canal para pessoas com deficiência procurando emprego. Nós fazemos uma avaliação, para ver se ela tem o laudo médico, se não tiver, encaminhamos para o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), para que seja confeccionado o laudo caracterizador da deficiência, exigido pela Ministério do Trabalho. E aí, do outro lado, a gente tem as empresas oferecendo vagas. A empresa liga na assessoria, faz cadastro e faz oferta de vagas .F azemos o cadastro da pessoa também e encaminhamos de acordo com o perfil. Temos uns 350 cadastros ativos. Esse programa já é antigo, então nós temos em torno de 1200 cadastros, mas alguns estão antigos e estamos reatualizando.
TJ: Já no início deste ano, foi assinado um decreto social que aumenta a inclusão das pessoas com deficiência ao passe livre no sistema de transporte coletivo municipal. Com a alteração, quem passou a ter direito? Quantas pessoas foram beneficiadas?
MAS: Todas as pessoas com deficiência, dentro da classificação, tem direito ao passe livre. Para ter direito, ela tem que ser residente em Jundiaí, ter uma deficiência e a renda familiar per capita seja de um salário e meio, o que dá aproximadamente R$ 1497. Isso trouxe uma ampliação, já que a maior parte das cidades tem o corte de um salário mínimo. A gente entende que isso não é adequado, então a mudança trouxe um benefício grande para as pessoas. Muitos ainda desconhecem que têm esse direito, então cotidianamente a gente orienta que eles podem buscar esse benefício. Se a gente pensar nos dados da Organização Mundial da Saúde, que 15% da população do mundo tem alguma deficiência, trazendo para a realidade de Jundiaí, seria uma média de 61 mil pessoas. E uma parcela significativa dessas pessoas tem direito ao passe livre municipal.
Mas é lógico que a gente trabalha, além dessa questão do passe livre, em outras possibilidades de acesso ao transporte. Estamos discutindo o táxi adaptado, já existe também um transporte de van porta a porta, contratado pela Prefeitura, que transporta as pessoas com deficiência quando há necessidade. Esse serviço está com previsão de ampliação e, para o ano que vem, queremos aumentar a frota para 15 vans. Atualmente, em média, são feitas 3500 viagens por mês.
TJ: No caso da acessibilidade do transporte público de Jundiaí, qual a porcentagem da frota que está adaptada? E como é a acessibilidade nos equipamentos públicos?
MAS: Dos 310 ônibus da frota municipal, 306 estão adaptados – ou seja, 98% deles. Uma dificuldade que a gente encontra na prática é que nem sempre o elevador funciona. Então criamos um grupo permanente de trabalho para discutir isso. Fizemos também um curso de capacitação chamado ‘Bom Motorista’, para que possa ocorrer também uma melhoria no atendimento dos motoristas com as pessoas com deficiência. Temos também um grupo no WhatsApp que a pessoa com deficiência que usa cadeiras de rodas pode enviar uma mensagem, colocando o horário e qual o ônibus ela vai utilizar, para que os fiscais possam dar uma atenção maior naquela linha, para verificar anteriormente o elevador.
Além disso, desde 2004 a gente tem o Decreto 5266, além da Lei Brasileira de Inclusão, então todos os espaços de uso coletivo, sejam públicos ou privados, devem oferecer acessibilidade. Em Jundiaí, quando ocorre uma reforma em qualquer prédio de uso público, a gente tem tido o cuidado de acompanhar e verificar o que falta de acessibilidade Os prédios mais antigos são mais difíceis em alguns pontos, mas todas as novas obras oferecem acessibilidade. Quando isso não acontece, a pessoa tem que denunciar e cobrar da sociedade.
Lógico que não muda de um dia para o outro, é um processo longo de mudanças que vem acontecendo. Aqui em Jundiaí a gente tem alguns gargalos difíceis, principalmente em relação às calçadas. Para isso, temos um projeto piloto de revitalização de calçadas, ali na região central, para que sirva de modelo e possamos ampliar para o resto da cidade.
TJ: Nesta semana saiu a notícia sobre o Projeto de Lei nº 6.159/2019, que visa desobrigar as empresas de contratar trabalhadores com deficiência ou reabilitadas, alterando a contratação pelo pagamento de um valor correspondente a dois salários mínimos mensais. Para as pessoas com deficiência isso traria menor contratação? Seria um passo para trás nos direitos obtidos por meio das cotas?
MAS: O Conselho Municipal fez um manifesto de repúdio, nesse manifesto eles contam um pouco do avanço que foi a Lei de Cotas. Foi por conta dessa lei que hoje nós temos mais de 4 mil pessoas trabalhando com cadeiras de roda. Essa mudança não vem em encontro das necessidades das pessoas com deficiência e traria um desmonte na lei de cotas. Houve um efeito de reação do segmento organizado das pessoas com deficiência, que é bastante organizado e forte, o que fez com o Governo retroagisse em relação a esse decreto, que será repensado. Também houve reação dentro da Câmara dos Deputados e do Senado.
TJ: E, por fim, você ainda acredita que exista um longo caminho para a inclusão? Quais seriam as medidas necessárias para alcançar essa inclusão?
MAS: Eu tenho 30 anos de participação dentro do movimento de luta. Além de ter buscado uma formação, a gente vê que existe avanços, avanços significativos. Eu costumo dizer que se a gente olhar o copo, ele tá meio cheio, meio vazio. Se olhar o que falta, vê que falta muito, mas se olhar para trás, vê que já temos um longo caminho e uma enorme conquista. Conseguimos um enorme conquista do segmento do Brasil, com algumas leis, mas também são os municípios que precisam fortalecer a legislação. Aqui, o Conselho Municipal completou 25 anos, então graças ao conselho, a gente conseguiu na cidade transporte adaptado, uma cota de 10% para concursados, vagas especiais em estacionamento, com gratuidade da vaga, tem a questão do transporte tem adaptado, com maior acessibilidade… Também podemos falar cobre a questão da educação inclusiva nas escolas municipais, o Núcleo da Assistência à Pessoa com Deficiência, serviço de reabilitação próprio da prefeitura que trabalha com reabilitação física.
Temos também o PEAMA, que é referência nacional. Muitos atletas paralímpicos tem se destacado e saíram daqui. A gente tem um orgulho desse trabalho, que tem sido apoiado pela administração. Precisamos avançar, não está do jeito que a gente gostaria, do jeito que as pessoas com deficiência merecem, mas temos avançado bastante. O prefeito Luis Fernando tem se mostrado uma pessoa bastante bastante sensível em relação a questão da inclusão. É lógico que a gente tem que melhorar, é um trabalho constante e permanente. Mas estamos tentando trabalhar com a inclusão da pessoa com deficiência em todas as áreas, para que elas participem em todos os segmentos. A ONU, em 2004, em outra edição do Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, escolheu como tema “Nada sobre nós, sem nós”. A partir disso, nós buscamos construir as politicas publicas com a participação das pessoas com deficiência. E não tenho duvida que, com a participação desses atores, vamos construir uma cidade melhor para todos, boa para todo mundo.