Líder comunitário da segunda maior favela de São Paulo, com cerca de 100 mil habitantes, Gilson Rodrigues é o coordenador nacional do G10 Favelas, o grupo das 10 maiores favelas do Brasil. Considerado o responsável pelo salto de inovação e crescimento que colocou Paraisópolis como a comunidade mais bem organizada e com diversas iniciativas para diminuição do impacto da pandemia da Covid, ele gerou repercussão mundial para um problema que é difícil acreditar que ainda existe num país como o Brasil: a fome.
Considerado o empreendedor social de 2020 pela Folha de São Paulo, na categoria mitigação da Covid19, ele tem como objetivo mostrar as favelas como potência e criar soluções para as comunidades, dando visibilidade para o
empreendedorismo de impacto social e a melhora da qualidade de vida da população de periferia com inovação e criatividade.
Os números confirmam a grandeza deste trabalho: somente em 2020 foram distribuídas pelo G10: 1,4 milhão de marmitas, 443 mil kits de higiene, 1.445.190 máscaras, 444 mil cestas básicas e 10 mil cartões com créditos para serem usados no comércio local pelas famílias.
Confira o Entrevistão desta semana:
Tribuna de Jundiaí – Na juventude, você atuou no grêmio estudantil porque queria melhorias na escola. Foi voluntário, depois assumiu a presidência de uma associação de moradores e hoje, aos 36 anos, é o principal líder do G10 Favelas. Hoje, no meio de uma grave pandemia, os jovens atualmente são flagrados em aglomerações e festas clandestinas. Por que isso acontece?
Gilson Rodrigues – Eu acredito muito no protagonismo dos jovens e no jovem como agente da sua própria transformação. Quando você olha para os presidentes de rua, que é um movimento que nós criamos durante esse processo de pandemia, que cuidam de 50 famílias cada um, eu vejo a cara deles ajudando a cuidar dessas pessoas.
Não podemos culpar todos os jovens ou generalizar em relação às aglomerações, pois temos visto no Brasil inteiro pessoas em bares, usando as praias, fazendo festas clandestinas e há ali participação de jovens, mas você percebe também a presença importante de adultos que, por vezes, estão cansados da pandemia, do uso de máscaras e de tudo isso.
E também do desgoverno que estamos vivendo neste momento, pois existe uma política de retomada concretamente e de ignorância da pandemia com relação ao Estado.
Culpar o jovem é, de alguma forma, generalizar o problema não percebendo esse contexto. Acredito que, a partir de agora, principalmente no processo de conscientização em que jovens e crianças estão sendo contaminados, que tendemos a ter um grupo de jovens mais conscientes em relação a esse problema.
Tribuna – As ações para salvar a vida de milhares de famílias que vivem em situação precária na pandemia foram fundamentais. Como surgiu esse movimento que você lidera?
Gilson – O G10 Favelas é o bloco de líderes e empreendedores de impacto social das favelas. Assim como os países ricos do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), as dez maiores comunidades do Brasil uniram forças em prol do desenvolvimento econômico e social dessas áreas urbanas.
O grupo é formado pelas favelas de Paraisópolis (SP), Heliópolis (SP), Rocinha (RJ), Rio das Pedras (RJ), Cidade de Deus (AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jarunas (PA), Casa Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF). Juntas, movimentam mais de R$ 7 bilhões, em potencial de consumo anual.
A exemplo dos grandes blocos econômicos, o G10 tem encontros regulares e termos de cooperação para que exista uma colheita de dados, acompanhamento das ações propostas e mensurado o real impacto social e crescimento gerado pelo bloco e parceiros.
A ideia do G10 Favelas é inspirar o Brasil inteiro a olhar com atenção para as favelas, tornando-as grandes polos de negócios, atrativo para investimentos, assim transformando a ‘exclusão’ em startups e empreendimentos de impacto social de sucesso.
O bloco tem objetivo apoiar os pequenos empreendedores, gerando emprego e atraindo capital que promova retorno ao investidor e, consequentemente, promovendo o desenvolvimento econômico das comunidades brasileiras, sem depender exclusivamente de arrecadações ou patrocínios.
Tribuna – O G10 Bank é uma grande estratégia para manter vivos os pequenos comércios, aqueles de bairro que empregam pessoas, geram renda e impostos. Por que essa iniciativa teve de partir de vocês, se os bancos no Brasil são os que mais apresentam lucros ano a ano?
Gilson – Ele se propõe a ser uma grande rede de apoio a pequenos e micronegócios do Brasil. Essa rede surge a partir da necessidade de inserção de um público muito específico, que não consegue ter comprovante de residência, acesso ao alvará (de funcionamento) por problemas de regularização fundiária, entre outras questões que os bancões não conseguem sanar e, por conta disso, esses empreendedores estão excluídos do sistema financeiro.
São milhões de brasileiros desbancarizados, que não têm acesso a crédito e outros serviços, que costumam guardar dinheiro embaixo do colchão e ficar horas (na fila) para pagar uma conta. Esse público os bancos não conseguem atender porque têm suas especificidades e que poderia render ainda mais lucro, pois representa bilhões de reais perdidos.
Essa solução surge a partir da necessidade das próprias comunidades, que nós identificamos. As favelas podem se desenvolver e gerar trabalho, renda e oportunidades através do empreendedorismo e do acesso ao crédito para esses grupos.
“Se eu fosse prefeito, governador ou presidente da República criaria um programa de ajuda específico para as favelas. É nas favelas que falta água, que as ambulâncias não chegam e que as pessoas vivem em casas pequenas mas com famílias aglomeradas. Além do programa, também criaria uma política de comunicação social para que eles entendessem termos como home office e lockdown, que viraram normais (na pandemia) mas que, no fundamental, não conscientizam a população”
Tribuna – Enquanto a vacina não chega para todos, o que é possível fazer para combater a fome e o desemprego nas favelas?
Gilson – O movimento “Presidentes de Rua”, liderado pelo G10 Favelas em nível nacional, surge a partir da necessidade de criação de uma política de proteção para a população que mais precisa. Nós percebemos a ausência do Estado, até hoje, inclusive, na criação de políticas públicas específicas para as favelas no Brasil.
Diante dessa ausência e do desespero, nós decidimos organizar um movimento que pudesse nos ajudar, onde o morador é agente da sua própria transformação. Foi a partir disso que surgiu o presidente de rua, em que a cada 50 casas temos um voluntário cuidando dessas 50 famílias.
Basicamente é uma rede de proteção, em que toda vez que um morador passa por alguma dificuldade ou necessidade, esse presidente é acionado. Em sua maioria são vizinhos dessas famílias, que sempre quando precisam de uma ambulância, de uma cesta básica, de um auxílio qualquer eles são acionados.
Todos utilizam grupos de WhatsApp para o monitoramento, tendo acesso às informações e necessidades do dia a dia.
Tribuna – Você é considerado o responsável por colocar Paraisópolis como a comunidade mais bem organizada no combate à Covid19. Essas ações foram replicadas em outras regiões do país e elogiadas internacionalmente. Se você fosse um prefeito, governador ou presidente da República, a população estaria numa situação melhor em relação à doença?
Gilson – As ações ligadas aos presidentes de rua foram atestadas por alguns institutos de que a nossa gestão é melhor do que da cidade de São Paulo, o que nos deu repercussão e visibilidade internacionais. Se eu fosse prefeito, governador ou presidente da República criaria um programa de ajuda específico para as favelas.
É nas favelas que falta água, que as ambulâncias não chegam e que as pessoas vivem em casas pequenas mas com famílias aglomeradas. Além do programa, também criaria uma política de comunicação social para que eles entendessem termos como home office e lockdown, que viraram normais (na pandemia) mas que, no fundamental, não conscientizam a população.
Ampliaria, também, a grande rede de apoio e de ajuda para que cada vizinho cuide um do outro. Nós só vamos sair desta situação juntos, unidos. Se conseguir criar essa rede e fortalecê-la, temos mais chances de nos salvar.
“São milhões de brasileiros desbancarizados, que não têm acesso a crédito e outros serviços, que costumam guardar dinheiro embaixo do colchão e ficar horas (na fila) para pagar uma conta. Esse público os bancos não conseguem atender porque têm suas especificidades e que poderia render ainda mais lucro, pois representa bilhões de reais perdidos. Essa solução surge a partir da necessidade das próprias comunidades, que nós identificamos. As favelas podem se desenvolver e gerar trabalho, renda e oportunidades através do empreendedorismo e do acesso ao crédito para esses grupos”
Tribuna – Raio X: quem é Gilson Rodrigues?
Gilson – Nasci em Itambé, interior da Bahia, tenho 36 anos e sou um dos 14 filhos da Maria Lúcia Rodrigues, conhecida pelos vizinhos como “A Muda”, por ser surda e muda, e com pai desconhecido. Por conta das dificuldades e condição precária em vivíamos, apenas eu e um irmão permanecemos sob a tutela da minha mãe. Os outros foram entregues à adoção.
Em busca de uma vida melhor, a família se mudou para São Paulo e fui morar com uma tia em Paraisópolis. Sempre tive o desejo de lutar por causas sociais, por isso entrei para o grêmio estudantil porque queria melhorias na escola. Ainda na adolescência, comecei a trabalhar com voluntariado quando fui convidado para fazer parte da União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis.
Aos 23 anos, assumi a presidência da associação. O trabalho comunitário virou parte da rotina desde quando participei do grêmio estudantil e de congressos globais sobre inovação social. Ainda pequeno, ouvia dos vizinhos que os filhos da mudinha, doidinha, eram todos “meio parecidos com ela”. Diziam que criança solta na favela não poderia crescer na vida e se tornaria, provavelmente, um bandido.
Se tivesse a minha mãe ainda viva, esse não seria o desejo dela com certeza, pois nunca ela iria querer que os filhos fossem predestinados a uma situação ruim. Assim como não era vontade dela entregar os outros filhos para adoção, porém foram as circunstâncias de vida que a levaram a isso.
Já consegui reunir sete irmãos que foram separados, fui estudar e aprender para ser um exemplo para a família e para os filhos. Além do trabalho comunitário, das atuações no G10 Favelas e no G10 Bank, prometo ainda muito trabalho e dedicação em busca de igualdade social, pois temos como missão elevar o potencial econômico das favelas, melhorar a qualidade de vida dos moradores e acabar com o estigma de favelado.