A educação no Brasil foi uma das áreas mais afetadas em relação à pandemia do novo coronavírus. Diante deste cenário de dúvidas e medo, algumas iniciativas demonstraram o alto nível de profissionalismo e preocupação com a saúde e ensino das crianças e adolescentes de Jundiaí. É o caso do Colégio Campos Elíseos, que virou modelo de uma nova maneira de aprender – ligada às percepções e análises dos educadores, atividades fora da sala de aula e uso de muitos recursos tecnológicos.
E meio aos bilhetes que recebeu dos alunos, com homenagens e agradecimentos, colados na parede do escritório, a diretora desta unidade de ensino, Leandra Maia Diniz, falou no Entrevistão desta semana sobre essa experiência e disse que não se arrependeu do que foi executado até agora. “Estamos saindo de tudo isso muito fortalecidos”, destacou ela – que é também vice-presidente da ACE (Associação Comercial e Empresarial) de Jundiaí.
Confira:
Tribuna de Jundiaí – Como foi exercer e fazer prevalecer o ensino no momento mais difícil que o mundo atravessa, atualmente?
Leandra Maia Diniz – Quando a pandemia começou, dia 20 de março de 2020, nos acreditávamos que o isolamento seria de, no máximo, 15 dias. Quando fechamos a escola, colocamos todo mundo (funcionários) em home office e os alunos em ensino remoto, não imaginávamos o que viveríamos dali para a frente. Foi um “virar de chave” em questão de 24 horas: fizemos um plano de ação, muitas capacitações, envolvendo a equipe administrativa e já começamos a trabalhar.
O nosso grande diferencial foi sermos tecnológicos e inovadores, sempre estivemos à frente do que a educação mantinha. Isso foi nosso case de sucesso, pois tínhamos muitos recursos digitais a oferecer e isso nos deu um norte. Mesmo assim, tivemos de investir em mais recursos, trouxemos outras tecnologias, compramos salas digitais, investimos em treinamento e equipamentos.
Com tudo isso, o professor virou Youtuber do dia para a noite. A gente entrou na casa do aluno, com a família dele, trocando a lousa pela transmissão on-line. Com o passar dos meses, fomos ajustando e vendo que a situação se resolveria a médio prazo, não mais no curto prazo como pensávamos. Quando voltamos no segundo semestre do ano passado, ajustamos aquilo que não havia dado certo e melhoramos o que o colégio havia acertado.
Isso deu muito certo porque o índice de transferência foi baixíssimo. Ao contrário, nós ganhamos alunos porque conseguimos entregar nossa proposta educacional e formativa aos alunos, mesmo nesta situação. Não tivemos reclamações ou pais dizendo que não estávamos entregando aquilo que era nossa obrigação. Mantivemos o calendário escolar semanal, com aulas ao vivo diariamente, com a grade e os horários já estabelecidos. Isso foi, também, um grande diferencial.
É claro que quando falamos de educação infantil e fundamental 1, a metodologia tem de ser um pouco diferente porque você não consegue manter as crianças pequenas durante seis horas na frente do computador – além de não ser didático. Fomos ajustando os recursos, com atividades lúdicas e envolvemos as famílias no projeto da escola, agregando a participação de todos que estavam dentro de casa.
“Com tudo isso, o professor virou Youtuber do dia para a noite. A gente entrou na casa do aluno, com a família dele, trocando a lousa pela transmissão on-line. Com o passar dos meses, fomos ajustando e vendo que a situação se resolveria a médio prazo, não mais no curto prazo como pensávamos. Quando voltamos no segundo semestre do ano passado, ajustamos aquilo que não havia dado certo e melhoramos o que o colégio havia acertado”
Tribuna – Houve feedback disso, os pais falaram sobre esse envolvimento?
Leandra – Muito feedback! E o mais emocionante de tudo é que, pela primeira vez, o professor passou a ter realmente o valor que merece. Os pais reconheceram os ensinamentos proporcionados por eles, mas nós também tivemos a coparticipação das famílias neste processo, então foi um ganho geral. Claro que houve muita compreensão dos pais, pois a rotina de todos mudou: famílias que estavam trabalhando em home office tiveram de dar conta do profissional e também das tarefas do filho. A rotina da casa mudou, a sala de jantar virou escritório… e a escola foi equilibrando tudo isso, apoiando as famílias e dando suporte. Isso nos trouxe um crescimento profissional enorme, uma bagagem rica demais!
Em que pese todo o sofrimento e mortes que a pandemia causou no mundo inteiro, nós temos de admitir que ela trouxe um marco na história da educação e da pedagogia. A escola nunca mais será a mesma: as relações da família com a escola, do aluno com a escola e da escola com o estudante mudaram completamente, além da relação ensino/aprendizagem. É impossível voltar ao normal, daquilo que era antes da pandemia. Vamos sair disso melhorados, aperfeiçoados.
Tribuna – E neste ano, como está essa relação com os alunos?
Leandra – Começamos este ano ajustando e melhorando o que podíamos. Avaliamos os dois semestres do ano passado e buscamos entregar ainda mais qualidade neste ano. Tivemos de ajustar a equipe, porque alguns profissionais da área resolveram deixar a educação. Aqueles que não conseguiram se adaptar à nova realidade decidiram empreender, mudar de profissão, o que é absolutamente compreensível, faz parte deste processo.
Porém, muita gente nova, com expertise, habilidades e vontade de arriscar veio para compor o time. Foi uma mudança geral e, por tudo isso, o nosso colégio decidiu que, a partir de agosto, vamos ter um novo posicionamento de marca, trazendo uma identidade nova. Na nossa leitura, não podemos mais continuar com a marca e o registro de um passado que não faz mais parte da gente. Tudo o que havíamos projetado para 2020 não aconteceu, foi feito tudo de outra forma. E agora veio o ensino híbrido, que nós não aprendemos na faculdade: tivemos de dar conta de quem estava aqui e também de quem estava em casa. E conseguimos!
Essa engrenagem encaixou de tal forma que gerou um amadurecimento, tanto para os alunos que entenderam este novo formato, quanto para a família que acompanhou de perto e comprovou que nenhum estudante deixou de ter (conhecimento) porque não estava aqui. Muito pelo contrário! Tudo aquilo que conhecíamos caiu por terra: lousa, giz e saliva. Falamos, agora, de desemparedamento e atividades fora da sala de aula!
Particularmente, nunca gostei de aluno enfileirado e dentro da sala de aula. Sempre estimulei para que todos os espaços fossem usados como locais para aprendizagem. E aqueles que ainda resistem um pouco em relação a dar aulas desta forma, eu provoco para puxar à essa realidade.
Estamos muito esperançosos para o segundo semestre, quando receberemos os alunos novamente. Estou sentindo que as famílias estão mais confiantes, a escola está pronta com todos os protocolos. Voltamos em novembro do ano passado e algumas pessoas acharam estranho, pois teríamos só um mês de aula. Eu disse que sim, porque precisava atender as famílias e também porque lugar de aluno é na escola!
A estrutura, contudo, não pode ser nociva e colocar em risco a saúde das crianças. Por isso passamos por todos os protocolos exigidos, fizemos treinamento e hoje estou ainda mais aliviada, pois quase 100% da equipe está vacinada (contra a Covid19). Estamos na expectativa, também, que a partir de agosto cada escola possa fazer o seu projeto e estou muita esperançosa por isso, pensando que o semestre que vem será diferente.
“Porém, muita gente nova, com expertise, habilidades e vontade de arriscar veio para compor o time. Foi uma mudança geral e, por tudo isso, o nosso colégio decidiu que, a partir de agosto, vamos ter um novo posicionamento de marca, trazendo uma identidade nova. Na nossa leitura, não podemos mais continuar com a marca e o registro de um passado que não faz mais parte da gente. Tudo o que havíamos projetado para 2020 não aconteceu, foi feito tudo de outra forma. E agora veio o ensino híbrido, que nós não aprendemos na faculdade: tivemos de dar conta de quem estava aqui e também de quem estava em casa. E conseguimos!”
Tribuna – Houve algum problema em relação aos procedimentos e protocolos seguidos dentro da sala de aula e nos ambientes de convívio do colégio?
Leandra – Isso é algo importante para ressaltar nesta entrevista. O orgulho e gratidão que temos em relação aos nossos alunos e as famílias. Nós não tivemos problemas em relação a alguém infringir as regras sanitárias, não tivemos ninguém se recusando a usar máscara. Todos vieram para cá formados e conscientizados pelas famílias. Foi fantástico ver essa conscientização!
Chegamos até aqui e tenho certeza que a instituição escolar que se manteve forte diante de todo este tsunami, nunca mais cai.
Tribuna – Como foi a avaliação feita dos alunos de um ano para o outro, em relação ao aprendizado. A pandemia afetou o ensino?
Leandra – Quando fizemos o planejamento deste ano, nós traçamos uma metodologia de nivelamento e diagnóstico da aprendizagem. Não sabíamos como os alunos voltariam, por isso precisávamos de indicadores e dados para formatar e entender melhor essa situação. Lembrando que, pedagogicamente, nós teríamos de dar conta do que entregamos em 2020 e apresentar 2021, mas também nivelar este aluno.
Por isso, dentro da sua especialidade, cada professor foi responsável por fazer uma análise diagnóstica de um a um dos estudantes para um levantamento do nível de conhecimento que ele estava e o que havia em defasagem. O objetivo é trabalhar paralelamente ao conteúdo ministrado este ano, para nivelar estes alunos.
Estamos desenvolvendo este trabalho de formiguinha, que não tem mágica: tem de ser diário, árduo, para que este diagnóstico nos aponte o que cada aluno necessita para o nivelamento deste conhecimento.
Como exemplo, podemos dizer que descobrimos especificamente na educação infantil 2, que vai no ano que vem para o primeiro ano, a existência de uma lacuna na alfabetização para este grupo. E que temos de dar conta disso agora, não dá para fechar os olhos e empurrar para o ano que vem.
Essa turminha terá um plano de alfabetização para as férias. Um intensivão, mesmo, de 15 dias, parando e esquecendo toda e qualquer metodologia e continuidade do material didático deste ano para fortalecer e recapitular bases profundas de alfabetização.
Os demais conseguimos dar conta e vamos conseguir terminar até o final do ano, com plano individual e plano de ação adaptado. Mas fico pensando como educadora, vendo tudo isso, dos alunos que não tiveram essa possibilidade. Há relatos de que estudantes ficaram três, quatro meses sem ver o professor e o tamanho que essa defasagem vai deixar.
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