De uma em uma as gaiolas são limpas e empilhadas na sombra. O expediente começou há duas horas na Associação Mata Ciliar, mais especificamente às 8 horas, e está longe de terminar. Os pássaros, normalmente vindos de apreensão de porte ilegal ou tráfico de animais, ainda estão em quarentena e precisam ficar isolados em gaiolas e, por isso, o trabalho é redobrado. São pelo menos vinte gaiolas organizadas ao lado da sala de pronto atendimento e que demandam limpeza e manutenção diariamente. “Imagine 500 dessas”, comenta Samuel Nunes. “Uma vez recebemos uma caixa com 500 pássaros da espécie coleirinha”, lembra o Coordenador de Comunicação da ONG.
De acordo com Nunes, o tráfico é o primeiro motivo de entrada de animais silvestres no Cras, o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Associação Mata Ciliar, de Jundiaí. Muitas vezes, a apreensão ocorre durante o transporte. Muitos são encontrados dentro de pacotes Sedex ou em fundos falsos de caminhões, outros são apreendidos já no destino, em residências, com pessoas que não têm o porte do animal por meios legais. “Os pássaros são os que mais sofrem”, relata.
A entrada de mamíferos também é grande. Macacos, ouriços, gambás, capivaras… E a lista continua. São vítimas de atropelamento, ataque de cachorros, eletrocução por fios: da expansão das cidades. Rodovias, casas e ruas que ocupam zonas de mata. Quando não, são os próprios seres humanos que invadem áreas de preservação. De acordo com Nunes, a Associação tem recebido também muitos animais vítimas de caça. “Normalmente, são filhotes que perderam a mãe para caçadores”, diz o Coordenador.
Seja qual for a origem, todos os dias algum animal chega ao Cras para receber cuidados especializados. Em 2019, a média já beira de 10 a 11 animais por dia, e a cada ano, as estatísticas pioram, tanto em relação à quantidade, quanto à situação que as espécies chegam à ONG. “Mesmo com a estrutura tecnológica que a gente tem, que melhora a questão clínica, de monitoramento e de recinto, os animais chegam cada vez mais em situações piores e em maior número. Então, hoje, nós temos uma fila de reabilitação”, explica.
A fila de reabilitação é apenas uma das dificuldades pelas quais enfrenta a Associação Mata Ciliar. Por mês, são gastos aproximadamente R$ 15 mil com alimentação entre vegetais e carnes e R$ 75 mil com medicação, pessoal, gastos administrativos, reformas e taxas tributárias.
Hoje, o custeio das atividades da Mata Ciliar vem por três principais meios: através de convênios com municípios vizinhos, que enviam animais para serem reabilitados e participam de projetos de educação ambiental, pela contribuição de empresas privadas, as chamadas Guardiãs da Mata, ou ainda por meio da doação de pessoas comuns que apadrinham animais pelo Programa Adote um Animal e compram itens da loja física da entidade.
Responsabilidade pública e privada
Segundo Samuel Nunes, é muito importante que as empresas assumam o papel da preservação da biodiversidade para ter a sustentabilidade do próprio negócio. “Sem recursos naturais não há perspectivas de futuro e a situação da água, flora e fauna no país é cada vez mais preocupante”, complementa.
Assim como no setor privado, o setor público pode e deve contribuir, uma vez que se conveniando à Associação Mata Ciliar, passam a cumprir exigências quanto a responsabilidade para com a flora e fauna silvestre regional. No caso dos municípios que possuem convênio com o Cras, ao subsidiar a execução do centro de reabilitação, eles podem então destinar animais acidentados, construir trabalhos de educação ambiental junto à Secretaria de Educação da cidade e receber cursos de aperfeiçoamento para órgãos municipais de manejo e contenção de animais.
Atualmente, embora seis municípios estejam autorizados a destinar animais ao Cras, mais de 60 enviam bichos silvestres para receberem cuidados. A Associação Mata Ciliar informa que apenas Itatiba, Valinhos, Indaiatuba, Louveira, Bragança Paulista, Vinhedo e Jundiaí são municípios conveniados, este último, somente para a parte de educação ambiental.