A forma como construímos nossas cidades reflete quem somos e o futuro que desejamos. Durante décadas, o planejamento urbano no Brasil e em diversas partes do mundo priorizou os carros, criando espaços fragmentados, desconectados e muitas vezes hostis às pessoas. Mas essa lógica precisa mudar. Já sabemos que aproximar residências, comércios, escolas e locais de trabalho, enquanto incentivamos o deslocamento a pé ou de bicicleta, transforma a qualidade de vida nas cidades. É um caminho comprovado para reduzir o trânsito, a poluição e criar ambientes mais seguros e agradáveis.
As cidades mais inspiradoras do mundo já abraçaram essa ideia. Em Copenhague, na Dinamarca, mais de 60% da população usa bicicletas como principal meio de transporte. Por lá, o conceito de proximidade guia todo o planejamento urbano: cada bairro é pensado para que as pessoas tenham acesso rápido e fácil ao que precisam, sem depender de carros. Essa visão foi amplamente impulsionada por Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês que completou 88 anos no último setembro. Gehl dedicou sua vida ao estudo das cidades para as pessoas, priorizando espaços públicos que promovem a interação humana e valorizam o pedestre. Ele acreditava que “primeiro moldamos as cidades, e depois as cidades nos moldam”. Em seus projetos, como a transformação do centro de Copenhague em uma área quase completamente para pedestres, Gehl mostrou que o urbanismo centrado nas pessoas é a chave para cidades mais saudáveis.
No Brasil, Curitiba é uma referência. Sob a liderança do urbanista Jaime Lerner, a cidade implementou o sistema de transporte BRT e adotou o uso misto do solo, integrando moradia, comércio e transporte em harmonia. Lerner, um visionário que via simplicidade nas grandes soluções, acreditava que “a cidade é uma estrutura viva, um organismo em constante transformação”. Aproximar pessoas, criar espaços acolhedores e reduzir as distâncias não são apenas estratégias urbanísticas, mas também atos de humanização.
Mas e as cidades com desafios físicos e históricos, como ruas estreitas ou ladeiras íngremes? Para essas, o caminho é a adaptação inteligente. As calçadas podem ser alargadas ou niveladas onde possível, priorizando os pedestres. Em áreas de difícil acesso para ciclovias, o transporte público integrado pode se tornar o principal conector, com ônibus elétricos e até sistemas de teleféricos urbanos, como os usados com sucesso em Medellín, na Colômbia. Bairros antigos, marcados por ruas apertadas, podem ser revitalizados com calçadas compartilhadas – onde pedestres, bicicletas e carros convivem de forma ordenada – e áreas livres para pequenos comércios que devolvem a vida às ruas.
Cidades podem ser modernas ou antigas, planas ou inclinadas, mas todas têm algo em comum: devem priorizar as pessoas. A transformação começa com intervenções simples e práticas, como calçadas acessíveis, transporte público eficiente e espaços públicos vivos e seguros. A tecnologia também tem seu papel, mas como apoio, não como protagonista. Sensores urbanos, aplicativos de mobilidade e monitoramento inteligente são ferramentas importantes, mas nada substitui a vitalidade humana.
No fim, ruas e prédios são apenas estruturas. Quem realmente faz uma cidade vibrar são as pessoas. E uma cidade verdadeiramente inteligente não é definida apenas pela tecnologia que utiliza, mas pela vida que pulsa em cada esquina, em cada rua compartilhada, em cada encontro inesperado. Essa é a verdadeira inteligência urbana: a que transforma cidades em lugares para viver, e não apenas para passar.
Jones Henrique Martins é especialista em Finanças Públicas e Cidades Inteligentes, analista de Sistemas e Administrador e foi Secretário de Governo e Finanças em Jundiaí.
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