Aos 88 anos, ela encara pós-graduação na Faculdade de Medicina de Jundiaí

Aos 88 anos, ela encara pós-graduação na Faculdade de Medicina de Jundiaí

Aos 88 anos, dona Luísa Valencic Ficara espalha por aí força de vontade, determinação e boas histórias para contar. Ela se tornou conhecida depois de se formar em nutrição no Centro Universitário Padre Anchieta e fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) à mão.

Há pouco tempo, descobrimos que dona Luísa não se conteve em apenas conquistar o diploma de bacharel em nutrição, mas decidiu iniciar a pós-graduação em geriatria e gerontologia na Faculdade de Medicina de Jundiaí. Para conhecer sua história, acompanhamos dona Luísa durante uma manhã de aula na faculdade.

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“Eu não gosto de propaganda, tá bom? Ela não leva a nada. Não quero propagandas!”, diz a determinada estudante. Tivemos que convencê-la que contar sua história é uma forma de incentivar outras pessoas. “Bom, então eu fico feliz”, diz com um leve sorriso no rosto.

Dedicada e pontual, foi a primeira aluna a chegar e faz questão de garantir seu lugar logo na primeira fileira. Olhos atentos em cada slide exibido pelo professor e mãos prontas para fazer as anotações do início ao fim da aula.

“Ela é muito interessada. Você viu que ela veio tirar dúvidas no final? Ela diz que não gosta de interromper, então prefere conversar com a gente no final”, conta o professor Dr. José Eduardo Martinelli.

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Antes do início da aula, dona Luísa aguardava junto aos colegas. Muito simpática, recebe o carinho dos outros alunos, mas deixa claro: ela é independente e ponto final. “Ela não gosta muito de ajuda. Se você ficar muito em cima dela e ela perceber que você quer fazer algo para ajudá-la, ela fica brava. Mas, a dona Luísa é bem simpática e comunicativa”, conta Nathalia Costa Ponce, fisioterapeuta e colega de classe na pós-graduação.

“Um dia ela chegou com o pé enfaixado na aula. Fomos ver o que aconteceu e ela tinha derrubado água quente no pé. Perguntamos se ela precisava de ajuda, mas ela já tinha feito tudo: ligou para a faculdade avisando que ia faltar na aula e foi ao hospital fazer o curativo”, relembra a médica Marion Carvalho Marrach.

História de superação

O sotaque não nega que dona Luísa é uma italiana nata. Nascida em 22 de agosto de 1930 em Fiume, província da Itália, ela conta que presenciou os piores momentos de guerra na Europa. A família saiu da Itália em 1948 e se refugiaram em Valparaíso, no Chile. Anos depois, se mudaram para Santiago e, em 1952, foram para Porto Alegre, no Brasil, onde a família se estabeleceu.

Um fato histórico também marcou a vida de dona Luísa e ela disse que lembra como se fosse hoje. “Eu lembro de uma disputa do Brasil contra o Chile na Copa do Mundo. Meu coração ficou dividido”. Em 1954, a Seleção Brasileira disputou as eliminatórias para a Copa do Mundo da Suíça. O Brasil derrotou o Chile por 2 a 0.

“Aqueles ‘panetones’ que vendem durante a Páscoa marcaram minha chegada no Brasil. Chegamos aqui e comi pela primeira vez. Gosto disso até hoje”, relembra dona Luísa se referindo à colomba pascal.

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Filha mais velha, Luísa conta que não tem mais parentes por aqui. “Minha irmã já faleceu. Eu tenho meu irmão ainda, que mora em Porto Alegre e um tio que também mora no Sul. Ele tem 96 anos, acredita?”.

Dona Luísa conta que mora em Jundiaí há 40 anos e veio para cá logo quando se casou. Sem filhos e viúva, ela se tornou independente e afirma que voltou a estudar para ocupar a cabeça. Em 25 de dezembro de 2017, dona Luísa perdeu uma grande companheira, sua gata branca chamada Iakita. “Ela era minha amiga, sabe? E ela se foi bem no dia do Natal”, relembra, contando detalhes de como a gata era grande, de pelos bem branquinhos e ‘folgada’.

A escolha da pós-graduação

O amor pela área da saúde sempre foi presente no coração da dona Luísa. No Chile, ela trabalhou como enfermeira e, no Brasil, trabalhou como instrumentadora.

Durante a conversa, ela abriu o coração e contou algo que o plano era passar em medicina. “Eu não ia fazer nutrição, eu queria mesmo fazer medicina. Não passei no vestibular. Ainda sinto mágoa por isso”, conta dona Luísa colocando a mão no coração.

A escolha da pós-graduação foi simples. “Procurei por um curso em que eu pudesse ajudar as pessoas. Aqui eu sinto que ajudo”.

Quando contamos que ouvimos falar que ela era muito estudiosa, ela abriu o jogo entre risadas: “Não sou estudiosa não. De verdade, não sou. Eu sou curiosa, gosto muito de ler. Presto bastante atenção nas aulas”.

Quanto aos próximos passos nos estudos, dona Luísa conta que não tem pretensão de parar. “Continuar a estudar eu até quero. Mas preciso que a saúde ajude, porque enquanto eu tiver condições, vou estudar”.

Sonho

Tivemos que prometer para dona Luísa que iríamos contar sobre um sonho que ela tem e gostaria de encontrar pessoas que pudessem ajudar. Ela quer viajar para a Inglaterra. Londres, para sermos mais exatos.

Quando questionada sobre o motivo da viagem, ela foi bem clara: “Sou curiosa e quero melhorar meu inglês. Sempre quis conhecer Londres e quem sabe vocês não conseguem alguém pra me ajudar a ir pra lá?”.

O inglês é apenas uma das línguas que dona Luísa fala. Poliglota, a jovem senhora de 88 anos fala fluentemente italiano, português, espanhol, inglês e servo-croata, língua falada em todas repúblicas da Iugoslávia.

Exemplo aos jundiaienses

Apesar de não ter parentes na cidade, dona Luísa é um grande exemplo aos jundiaienses. Além de sua história tão inspiradora, ela conta feliz que há anos plantou uma Paineira em uma praça da cidade. “A árvore já está grande. Fico feliz de olhar e falar: ‘Fui eu que plantei’. Pode ir lá ver”, diz animada.

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