Imigrante haitiana cega é aprovada na OAB e sonha em ser juíza

Imigrante haitiana cega é aprovada na OAB e sonha em ser juíza

Entrevistada pela BBC News Brasil em 2013 em um abrigo superlotado no Acre, Nadine Taleis superou limitações físicas e financeiras para se formar em Direito e agora se prepara para concursos públicos concorridos.

Na época, fazia dois meses que Nadine dividia o abrigo com outras 1300 pessoas, em um espaço com dois banheiros que não comportava não mais do que 200.

Amontoados em colchões cercados por um esgoto a céu aberto, eles aguardavam a documentação para viajar a outras partes do Brasil ou torciam para ser recrutados por empresários que visitavam o local atrás de trabalhadores braçais. Cega, Nadine havia sido rejeitada em todas as seleções.

Cinco anos depois, hoje com 35 anos, Nadne acaba de se formar na faculdade de Direito, foi aprovada na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e está a caminho de se naturalizar brasileira. Ela pretende prestar concurso para juíza.

Na época que ainda estava no Acre, a sorte da haitiana só começou a mudar quando um funcionário do abrigo lhe pôs em contato com parentes que viviam no Distrito Federal - onde, segundo ele, Nadine teria mais oportunidades e poderia até realizar o desejo de cursar uma faculdade.

Chamou a atenção do homem a facilidade da haitiana com línguas: além do creole e do francês, idiomas oficiais do Haiti, ela falava espanhol - idioma da República Dominicana - e tinha boas noções de inglês, que aprendera ao trabalhar num call center.

Ela aceitou a sugestão do funcionário e partiu para o Distrito Federal atrás da família. Foi tão bem recebida que logo passou a se referir a seus anfitriões, o casal Carlos e Loide Wanderley, como pai e mãe. "Sem eles, teria sido muito difícil conquistar o que conquistei", afirma.

Sem dinheiro para comer

Foi com o dinheiro que sua mãe brasileira lhe dava para comer e alugar uma quitinete que Nadine pagou as primeiras mensalidades do curso de Direito. No início, assistiu às aulas sem que os pais adotivos soubessem, pois não queria que se sentissem pressionados a ajudá-la com os custos.

Nadine diz que passou dias sem comer nada para economizar. Ela só enchia o estômago aos domingos, quando os pais lhe traziam comida ao buscá-la para o culto no Ministério Grão de Mostarda, igreja evangélica frequentada pela família.

Logo, porém, a direção da faculdade se impressionou com a história de vida da haitiana e resolveu lhe oferecer uma bolsa integral, além de um estágio na própria instituição. Só então ela contou à família brasileira que estava fazendo o curso - e deixou de passar fome para cobrir as mensalidades.

Com apenas 15% da visão, Nadine gravava todas as aulas e estudava com o auxílio de um programa de computador que lia os livros para ela. Sua maior dificuldade no cotidiano era realizar provas, quando dependia de colegas que lessem as perguntas. "Se tiver uma vírgula e a pessoa não der a ênfase certa, você erra a questão." Ela respondia as provas oralmente ou no computador.

Apesar dos desafios, foi aprovada em todas as disciplinas e começou a se preparar para o exame da OAB de junho deste ano. Como era a primeira vez que faria o exame, sabia que havia boas chances de ser reprovada.

"Felizmente a banca me pôs uma pessoa que lia muito bem - ela tinha paciência, lia e relia quando eu pedia". E então ela passou. Naquela prova, 77,3% dos candidatos foram reprovados, segundo o blog Exame da Ordem, especializado no concurso.

Agora, seus próximos objetivos são trabalhar num escritório de direito tributário e se naturalizar brasileira - direito concedido a estrangeiros que vivam no país há pelo menos quatro anos, falem português e não tenham condenações penais.

Daqui a alguns anos, Nadine quer prestar concurso para a Advogacia-Geral da União (AGU), onde espera adquirir a experiência necessária para seu objetivo maior: tornar-se juíza.

Com informações da UOL

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