
Passado esse quase um ano de pandemia, ao menos no Brasil, e ainda vivendo essa situação que nos tirou dos eixos como presente, é quase indispensável (no meu ponto de vista) não insistirmos em uma reflexão profunda sobre nossas posturas e engrenagens como sociedade. Porque se nos comoveu e nos trouxe tantas análises encarar de frente a morte em massa, o aumento do desemprego, as consequências nos serviços de saúde, o medo da finitude como um assunto comum, sem a possibilidade e as estratégias já costumeiras de fazer vista grossa aos problemas e desigualdades, seria mínimo que saíssemos desse `choque de realidade` com maior consciência sobre o ponto a que chegamos.
Claro que ninguém esperava ou parecia antever o que viveríamos nos últimos meses, ainda que já houvesse estudos a respeito de novos vírus, suas possíveis mutações e sobre outras ameaças deste gênero. Mas justamente a surpresa da situação nos colocou (sem grandes preparos) frente a frente à maneira como já nos organizávamos, vivíamos, trabalhávamos, e as mudanças que, talvez já se desenhavam nas relações, ganharam força para preservarmos o que de fato deveria ser o essencial: a vida.
Tivemos a oportunidade de nos voltarmos, como num autoconhecimento forçado, para nós mesmos e vermos o que tínhamos até então como estrutura, seja social, econômica ou pessoal. Tivemos a chance que nem todos têm – e portanto o privilégio inclusive histórico – de repensarmos o que formamos até aqui, mesmo que a duras penas e sob tanto sofrimento, afinal, o crescimento sempre vem acompanhado da dor.
Assim, os desafios – contraditoriamente também bons – que em termos políticos e sociais podem nos acometer a cada curtos ou longos intervalos de tempo (dias, anos, décadas, séculos) nos chamam para evolução e, a meu ver, essa possibilidade deveria ser tão exaltada quanto a tristeza de uma nova realidade, porque a transformação pode e deve ser o ponto de partida natural para superarmos um tempo que definitivamente já passou. Somos outros depois do coronavírus e não adianta negar.
Sejam nos novos modos de interagir nas redes sociais, nas cobranças em relação às figuras públicas, nos meios de e-commerce, antes mesmo da Covid-19, já éramos diferentes e um pedido coletivo por verdade já me parecia se formar. Embora a gente ainda esteja bem estabelecido e acordado com nossos comandos de exibicionismo e exaltação à imagem, nossas respostas a eles têm mudado. Queremos estar próximos, conectados, vistos, mas me parece que não mais com tanto empenho pelo que queríamos ser/ter, e sim pelo que precisamos superar e enfrentar juntos. O que pode parecer romantismo é, no fundo, o que de mais primário nos falta e que acredito ter vindo como um dos apelos mais evidentes desta pandemia.
Esse ‘mais primário que nos falta’ é simplesmente assumirmos quem somos e não resistirmos ao fato de que precisamos, hoje mais do que nunca, humanizarmos as relações.
Os novos tempos nos chamam para políticas públicas e privadas humanizadas, que justamente acolham vulnerabilidades, que não debochem desse ‘voltar para si’, da autocrítica conjunta e de uma reorganização que novamente entenda nossa natural condição limitada e não invencível. Ela pode estar aliada a muitos avanços, como vemos com a ciência, as vacinas, mas também a um olhar sobre as necessidades que camuflamos, justamente o que nos move para buscarmos essas novas soluções e progressos.
Com esse olhar para dentro, é muito compreensível que não tenhamos mais paciência para marketing vazio. O que se espera de um agente político, por exemplo, hoje, é honestidade real, transparência, abertura para se falar do que não é possível, do que se tem em mãos, de propostas viáveis. Do mesmo modo, acredito que não haja mais sentido, dentro da esfera privada, para o incentivo a rendimentos engessados, presos a uma dinâmica de trabalho e relacionamento que, em muitos casos, mostrou-se desatualizada com as mudanças forçadas pela pandemia: expediente, estruturas físicas desnecessárias e consumo que não condiz com a sustentabilidade que buscamos, cobranças que não geram resultado, entregas desmotivadas.
Grandes nomes do mercado já adotaram, inclusive, a ‘preocupação’ – esperamos que responsável e genuína – com a saúde mental de seus funcionários criando departamentos próprios para esse cuidado. Assuntos deste teor, que antes pareciam espinhosos e excludentes, serão mais falados que antes e em novos ambientes – ainda bem! Esse é o caminho: permitirmos reformulações e temas urgentes à tona. Não é à toa que, desde antes da pandemia, só cresce a procura por livros de autoajuda. Precisamos NOS ajudar e isso pode ser política.
Ideal seria se não precisássemos de uma pandemia para buscarmos essa humanidade. No entanto, mesmo com ela, é preciso falar quantas vezes for necessário para que realmente a gente preste atenção no que tanto queremos e está ao nosso alcance mais do que conseguimos ver, basta querer.
Raquel Loboda Biondi, jornalista e atualmente assessora legislativa na Câmara de Jundiaí.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Tribuna de Jundiaí.