Sami Mansour
Foto: Arquivo Pessoal

A imposição de tarifas de até 50% pelos Estados Unidos sobre produtos estratégicos brasileiros, como aço e alumínio, não deve ser vista como uma simples consequência de falhas diplomáticas do governo atual, como setores da política nacional tentam fazer parecer. Muito menos como um gesto pessoal de Donald Trump contra um desafeto ideológico.

Pelo contrário, essas medidas se inserem num xadrez geopolítico muito mais amplo, que revela as novas prioridades do império americano diante de um mundo em transformação. Reduzir esse movimento a uma questão de “competência ou incompetência” diplomática, como faz parte da extrema-direita brasileira, é não apenas míope — é estrategicamente perigoso.

Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos dominaram o cenário internacional com uma combinação de poder militar, influência cultural e supremacia econômica. No coração dessa dominação está o dólar, moeda de referência para o comércio mundial. Esse privilégio permite aos EUA sustentar déficits trilionários e intervir militarmente em qualquer parte do mundo sem sofrer as consequências econômicas que outros países enfrentariam.

Mas esse cenário começou a ruir com o avanço de alianças econômicas e políticas que desafiam a centralidade americana — e o BRICS está no centro desse movimento. Ao propor, entre outras iniciativas, a criação de uma nova moeda internacional para substituir o dólar nas transações entre países do Sul Global, o bloco ameaça diretamente a estrutura de poder financeiro global.

É nesse contexto que se insere a decisão dos EUA de mirar o Brasil com tarifas e sanções. Não se trata de punir um governo específico. Trata-se de desestabilizar um elo importante dessa nova articulação multipolar.

A lógica é clara: desorganizar o BRICS por dentro, isolando seus membros com medidas econômicas agressivas e incentivando divisões internas. Assim como Índia, China e Rússia vêm sendo alvo de sanções e pressões coordenadas, o Brasil entra agora no centro desse tabuleiro.

Por isso, é no mínimo ingenuidade — ou má-fé — tentar convencer a opinião pública de que as sanções americanas são consequência de supostos atritos entre Bolsonaro e Moraes, ou da posição do governo federal sobre temas sensíveis.

Ainda mais grave é ver atores políticos e parte da sociedade comemorarem essas sanções como uma forma de “correção de rota” nacional, aplaudindo ações que, na prática, significam menos competitividade para o Brasil, menos empregos, menos crescimento.

Trata-se de um equívoco duplo: geopolítico e patriótico.

Toda nação democrática convive com conflitos políticos. Isso é saudável e necessário. Mas existe um limite que nunca deveria ser ultrapassado: o de permitir que potências estrangeiras se tornem árbitros ou instrumentos em nossas disputas internas.

Infelizmente, esse limite vem sendo ignorado por setores da elite política brasileira, que, em nome da polarização, aceitam ou até incentivam que um país como os Estados Unidos interfira direta ou indiretamente nos rumos do Brasil.

É uma lição que a história ensina de forma repetida: nenhuma nação ganha ao permitir que seus conflitos internos sejam manipulados por interesses externos. E os EUA não escondem quais são seus interesses. Quando invadem países, quando impõem sanções, quando ignoram direitos humanos, não o fazem por generosidade ou nobreza. Fazem porque é do interesse deles. Sempre foi.

Defender a soberania nacional não é um ato de partidarismo. É um ato de maturidade política.

A crítica ao governo — qualquer governo — é legítima. Mas há uma diferença fundamental entre a crítica construtiva e a torcida destrutiva. Quem vibra com a penalização externa do próprio país talvez devesse refletir sobre até onde está disposto a ir em nome de uma rivalidade política. Ou sobre quem realmente sai ganhando quando colocamos fogo na nossa própria casa.

O Brasil não precisa de salvadores estrangeiros. Precisa de clareza, de união em torno do essencial e de firmeza para proteger sua posição no mundo.

Roupa suja se lava em casa. E soberania não se negocia.

Sami Mansour é engenheiro civil com Pre-MBA em Administração de Empresas. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e Assessor Especial de Cooperação Internacional da Prefeitura de Jundiaí, além de Secretário de Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico de Itupeva. Com experiência executiva no setor privado no Brasil e no exterior, participa ativamente de debates sobre geopolítica, economia global e políticas públicas.

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