
No dia 19 de julho de 1914 nascia, em Buenos Aires, capital da Argentina, o jundiaiense de coração Emílio Trevisan, que neste ano completou 105 anos de vida, com muitas histórias e lembranças.
Ainda criança ele veio para o Brasil e, já na sua juventude, se mudou para Jundiaí, onde trabalhou na antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro, formou sua família e se consagrou como jogador pelo Paulista de Jundiaí nas décadas de 1940 e 1950. Atualmente ele é o jogador mais antigo do clube ainda vivo.
O Tribuna de Jundiaí foi ao encontro do seu Emílio que, em sua poltrona marrom, tentava se lembrar de algumas histórias, com o auxílio de sua filha, Célia Trevisan. Ainda lúcido para a idade, embora já esquecendo de alguns detalhes, ele falou um pouco sobre suas lembranças.
Pai de três filhas, Emílio tem também sete netos e dois bisnetos. Célia, Diva e Rosângela são frutos do seu casamento com dona Letícia Trevisan, que faleceu em 2013, após 67 anos de casados.
Questionado sobre o que se lembra de sua falecida esposa, seu Emílio respondeu de bate-pronto: “Trabalhadora, ‘braba’, não tinha medo de ninguém”, afirmou ele.

Dona Letícia era filha do dono da pensão em que seu Emílio se hospedava quando morou em Rio Claro. Os dois se casaram quando ele tinha 33 anos e ela 16, no ano de 1947. Após ter morado na cidade por um tempo, por conta de uma transferência feita pela Companhia Paulista, empresa em que trabalhava desde os 10 anos, decidiu voltar para Jundiaí e daqui nunca mais saiu.

Paulista de Jundiaí
Depois de chegar ao Brasil ainda criança, data em que seu Emílio não se recorda, ele passou por Rincão, Jundiaí, Rio Claro e depois novamente Jundiaí. Durante todos esses anos jogou em times de futebol do interior de São Paulo e até mesmo em um da Argentina, na época em que precisou voltar ao seu país para servir o exército aos 18 anos. Por lá, jogou até juntar um dinheiro para poder retornar ao Brasil.
Dentre os times de São Paulo em que Emílio teve passagem destacam-se o Guarani de Campinas, a Portuguesa de Desportos e o Paulista de Jundiaí, hoje time do seu coração ao lado do Palmeiras.
“O coração ficou para o Paulista. Paulista e Palmeiras”, contou seu Emílio, que ainda acrescentou: “Pintei os alambrados. É um bom time”.

Jogador no time jundiaiense entre as décadas de 1940 a 1950, seu Emílio era lateral-direito e, assim como os jogadores que fundaram o Paulista, em 1909, ele também trabalhava na Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Na época, conciliava trabalho, futebol e cuidados com a família.
Como jogador mais antigo ainda vivo do Paulista, até hoje ele tem cadeira cativa no Estádio Doutor Jayme Cintra. Quando o Paulista comemorou 100 anos de história ele estava lá e, até pouco tempo atrás, ainda conseguia frequentar o estádio.
Quando dona Letícia faleceu, o time também prestou homenagens para ela, que, assim como seu Emílio, era torcedora fanática do time e sempre que podia estava no estádio.
“Faz uns dois anos que ele começou a ficar assim, um pouco mais esquecido, ouvindo e enxergando menos. Mas até os 95 anos ele dirigia e com 100 anos ele até foi viajar com os amigos. Até então ele ia ao estádio também”, contou sua filha Célia.
Jundiaí do século XX
Seu Emílio Trevisan acompanhou as principais mudanças do século XX, especialmente em Jundiaí, como a crescente urbanização e industrialização, além do auge da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, onde os principais pontos ficavam em Jundiaí e Rio Claro.
“Ele começou a trabalhar lá com 10 anos, lavando vagões. E, por ter começado a trabalhar cedo, aposentou aos 45 anos”, contou Célia. A aposentadoria ocorreu em 1959 e a tão importante empresa para a cidade ainda funcionava sob o mesmo nome: somente em 1971 a empresa foi estatizada e virou FEPASA.
Seu Emílio sempre morou na região onde ficam os bairros Ponte São João, Vila Arens e Centro, locais em que no século passado estavam as principais empresas de Jundiaí, especialmente na Vila Arens.

Foi na Vila Graff, nessa mesma região, que ele, ao lado de um amigo e posteriormente vizinho, construiu sua casa: todos os dias durante a noite, depois do trabalho, subia pouco a pouco cada um dos tijolos que compõem o local que vive até hoje.
Pai de três filhas, sempre dizia para elas que deveriam estudar, para poderem trabalhar no escritório da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, e não na fábrica. “E assim foi para nós três, trabalhamos no escritório na época”, relembrou Célia.
Perguntado sobre o que se lembra daquela época, seu Emílio se recordou de como era que se vestia: com um terno de linho branco e sapato preto e branco. “Bonito, né? Eu era vaidoso. Gostava de usar terno”, relembrou.
E, além da mudança de vestimentas, muitas outras coisas mudaram: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro já não mais existe, assim como muitas das fábricas que existiam na Vila Arens.
Muito mais industrializada do que naquela época, hoje as fábricas que existem em Jundiaí estão mais afastadas.
A população também cresceu exponencialmente: em 1940 eram cerca de 58 mil. Hoje, já são mais de 418 mil. Seu Emílio, que acompanhou o crescimento do primeiro edifício da cidade, nem imaginava que hoje existiriam tantos, em todos os cantos possíveis.
E ele, assim como muitos dos moradores tradicionais da região em que mora, acompanharam o crescimento e a urbanização de Jundiaí.
“Tudo passa, né?”, afirmou seu Emílio que, com 105 anos, carrega uma história de vida que se relaciona com a história do seu século e também com a história de Jundiaí.