
O jundiaiense Fábio Ferigato, de 88 anos, passou grande parte da sua vida trabalhando como alfaiate e depois consertando televisões. Gostava do que fazia – o primeiro trabalho aprendeu com o seu pai e o segundo por contra própria, após se interessar por eletrônica -, mas só encontrou sua verdadeira paixão, o cinema, quando estava com mais de 50 anos e aposentado.
Ao Tribuna de Jundiaí, ele conta que o laboratório em que começou a trabalhar na década de 1980 era responsável por processar a maior parte dos rolos de filmes que chegavam ao Brasil ou eram produzidos aqui, para multiplicá-los em outros rolos e depois distribuí-los para as salas de cinema de todo o Brasil e até de outros países da América do Sul naquela década.
Ou seja: há enormes chances de você ter visto filmes que passaram pelas mãos de seu Ferigato e do seu amigo Dimitri, um russo que trabalhava com ele na mesma função na extinta Revela, laboratório que ficava nos arredores da Barra Funda, em São Paulo.
Foi nesse espaço que o jundiaiense conquistou, durante 10 anos, enormes experiências. Viu muitos filmes, aprendeu sobre o universo do cinema, conheceu celebridades da época e até fez uma viagem aos Estados Unidos, que lhe rendeu uma roadtrip de Los Angeles até o Alaska pilotando um Dodge conversível.
“Tudo começou com o meu cunhado, que tinha um primo que trabalhava nesse laboratório e precisava de alguém que entendesse de imagens e eletrônica. Sempre gostei de fotografia e também de eletrônica, que estudei por conta”, conta o aposentado.
Ele afirmou que, na época, eram dois laboratórios que faziam esse tipo de trabalho no Brasil, mas que o Revela era o maior. Lá, ele recebia os rolos dos filmes, transformava o negativo em positivo e a partir disso criava uma máscara, onde eram trabalhadas as cores do filme. Posteriormente, esses positivos eram multiplicados e assim enviados para vários lugares diferentes.
“A gente trabalhava o dia todo na penumbra. Trabalhávamos com três cores: vermelho, azul e verde. A dose de cada cor na luz branca imprimia as cores do filme. Era tudo no olho”, recorda seu Fábio.

Lá, trabalhava somente em horário comercial, mas o amor pelo trabalho era tanto que muitas vezes passava mais tempo que o seu expediente no laboratório – ou simplesmente vinha embora para Jundiaí e, se precisasse no meio da noite, voltava para São Paulo.
“Ia de manhã para voltar 18h, mas muitas vezes surgiam imprevistos e ele ia no meio da noite para São Paulo”, conta sua esposa, Therezinha Kroiss Ferigato. Ela também se recorda das diversas pessoas do universo cinematográfico que ele conhecia. “Uma das que iam lá às vezes era Sandra Breia, muito famosa nessa época. Ele também já chegou a comentar do humorista Costinha, além de vários diretores de cinema da época”.
Fábio diz que, após o processamento dos rolos recebidos, era muito comum que diretores de cinema, atores e outras pessoas envolvidas na produção do longa aparecessem por lá, para assistir os filmes antes da estreia nos cinemas. “Tinha uma sala com uma projeção maravilhosa”, relembra, com nostalgia.
Viagem aos Estados Unidos
No entanto, o ponto alto da sua experiência com o cinema foi quando foi enviado aos Estados Unidos, para trabalhar com uma empresa que produzia máquinas para filmagens e trucagem de filmes.
“Durante os meus anos no laboratório, eu também fazia alguns serviços para uma outra empresa, que fazia ‘trucagem’, ou seja, utilizava um aparelho, a truca, para montagem de efeitos especiais. Então fui mandado para auxiliar e consertar algumas máquinas dessa empresa, que ficava em Los Angeles”, conta seu Ferigato.
Mas lá, mais do que apenas consertar, ele criou um produto do zero. A dona da empresa vendeu 12 unidades desse produto que saiu das mãos do jundiaiense e, uma das empresas responsáveis pela compra, não pode ser revelada – ele precisou até mesmo assinar um termo de confidencialidade. “Só posso dizer que o que fiz foram lentes importantes”, brinca.
E o pagamento pelo trabalho foi poder escolher entre os vários carros disponíveis na garagem da dona da empresa, além de um cartão para gastar livremente com gasolina, comida e hospedagem, e se aventurar pelas estradas dos Estados Unidos.
O primeiro caminho escolhido? A famosa Rota 66, que liga Los Angeles, na Califórnia, até Chicago, em Illinois. “Peguei um Dodge conversível e cheguei a 275 km/h nessa estrada, que é uma reta que você não tem ideia. De lá, atravessei os Estados Unidos e fui até o Alaska”, relembra seu Fábio.
Amor pelo cinema
Durante 10 anos, ele descobriu que tinha um verdadeiro amor pelo cinema e aproveitou da melhor forma a década da sua vida dedicada à sétima arte. Apesar de ter perdido o contato com a maior parte das pessoas com que trabalhou, incluindo seu principal companheiro de função, Dimitri, ele ainda relembra com muito carinho de todas as pessoas que conheceu nessa época.
Ao ser questionado sobre ter sido responsável, ao lado de Dimitri, por levar filmes para todo o Brasil, ele afirma com alegria. “‘Ô’ se fomos!”.
E, sobre sua experiência com o cinema, ele também afirma categoricamente. “Eu não só gostava do cinema, eu vivia o cinema. Além é claro do companheirismo que tinha com todos no laboratório. Lá um dependia do outro para fazer o trabalho, porque é isso que é o cinema: todas as partes são necessária para a produção, todas as partes são importantes”, finaliza o aposentado.
 
					 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		