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Foto: RafaPress/Canva

Após a vitória nas eleições, a equipe do atual eleito presidente Lula (PT) começou a se debruçar em alguns desafios do próximo mandato bem como em ajustes necessários no orçamento do ano que vem.

A manutenção do auxílio para a população carente em R$ 600 em 2023 é uma prioridade da nova gestão. É importante mencionar que o valor não está assegurado. Uma outra promessa da campanha de Lula foi o valor adicional R$ 150 por criança de até seis anos.  A ideia da gestão é retomar o antigo Bolsa Família, revogado por Bolsonaro.

Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Lula afirmou que o combate à fome e à miséria é o “compromisso número 1” do governo.

“Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário”, afirmou Lula, na ocasião.

Uma reunião está prevista nesta quinta-feira (3) entre Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição, e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), coordenador de Orçamento da campanha, com o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (PMDB-PI).

Além do auxílio para a população carente, outros temas também serão discutidos.

“Nós esperamos receber uma proposta, ou analisar, todo o quadro orçamentário, para ver que proposta o novo governo tem para atender as demandas que foram criadas. Como, por exemplo, o compromisso do presidente eleito de manter o Auxílio Brasil, o Bolsa Família, no valor de R$ 600”, afirmou Marcelo Castro.

Segundo especialistas ouvidos pelo g1 e pela TV Globo, ao menos R$ 175,2 bilhões serão alvo de negociação e barganha no orçamento. Esse valor engloba pontos ainda incertos no texto e propostas defendidas por Lula. 

Espaço limitado

A manutenção do auxílio, bem como o reajuste do salário mínimo acima da inflação e o aumento do salário de servidores, entre outros, representam novas defesas e por isso exigirão ajuste nas regras fiscais.

Os cálculos do Tesouro Nacional preveem que será necessário o aumento dos gastos públicos em R$ 52 bilhões para manter o benefício de R$ 600 à população carente — valor ainda não contabilizado na proposta de orçamento de 2023.

Para o benefício adicional de R$ 150 por criança de até seis anos, novas despesas também deverão ser contabilizadas e incluídas na previsão orçamentária. De acordo com cálculos de analistas, serão necessários outros R$ 18 bilhões para esse objetivo.

Além disso, o  reajuste real do salário mínimo também exigirá mais recursos. A previsão atual, que consta na peça orçamentária, é de um valor de R$ 1.302 para 2023, com reajuste somente pela estimativa inflação deste ano (cálculo feito em agosto).

Além da inflação, a proposta de Lula contempla um aumento pela variação do PIB. O novo formato de correção, porém, ainda não foi detalhado. Por isso, não se sabe o valor exato que será proposto. 

Cálculos do Tesouro indicam que cada R$ 1 acima de R$ 1.302 implica em gastos adicionais de R$ 370 milhões.

á no caso do reajuste de servidores, a proposta de orçamento contempla R$ 11,6 bilhões para o Executivo, o que seria suficiente para um aumento linear de 4,85% a todos funcionários públicos do governo federal.

O orçamento de 2023 traz, ainda, cortes drásticos em áreas estratégicas, como saúde e educação, não contemplando a maior parte das promessas de campanha do petista. Fiscalização do meio ambiente e recursos para bolsas de estudo também perderam recursos nos últimos anos. Esses valores deverão ser ajustados.

Falta de espaço

Contudo o maior problema é a falta de espaço no orçamento. Diante da regra do teto de gastos (mecanismo que limita a maior parte das despesas à inflação do ano anterior), a estimativa para os chamados “gastos livres” do governo já está baixa em 2023.

Sem mudanças de regras, é justamente ali que poderiam ser alocados esses gastos adicionais para o salário mínimo, auxílio aos mais pobres e reajustes aos servidores (depois de 2023, essas despesas se tornariam permanentes).

  • De acordo com a previsão do Ministério da Economia, os gastos livres representam, até o  momento, apenas 6,3% do orçamento total, o equivalente a R$ 98,9 bilhões em 2023;
  • Além de o valor ser pequeno para despesas livres, boa parte dele é “abocanhado” pelas emendas de relator. Para o próximo ano, foram reservados R$ 19,4 bilhões para essas emendas, com aumento de 17,5% na comparação com este ano (R$ 16,5 bilhões);
  • O restante do orçamento (93,7%) é composto por gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários de servidores e seguro-desemprego, por exemplo);

Pela falta de espaço orçamentário, o relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, divulgado em setembro, já indicava a necessidade de ajuste nas regras fiscais do país para manter o benefício em R$ 600 em 2023.

De acordo com a avaliação das consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado, se não houver nenhuma mudança, o progressivo aumento das despesas obrigatórias, associado às restrições impostas pela regra do teto de gastos, tendem a levar a uma “inviabilidade administrativa e política” nos próximos anos, afetando o mandato do presidente eleito.

Segundo o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, com as regras atuais, seria necessário a permanente redução de uma despesa para acomodar a manutenção do auxílio de R$ 600, além de novos gastos. Ele avaliou, porém, que é pouco provável que isso vá ocorrer.

Uma das propostas do presidente eleito Lula, para conseguir mais folga orçamentária, é acabar com o teto de gastos. Para isso, entretanto, é necessário mudar a Constituição — por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).

Para entrar em vigor, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos, tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados, e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas.

Com as dificuldades de mudar a Constituição em apenas dois meses, economistas já falaram abertamente na possibilidade de um “waiver” em 2023, ou seja, uma licença para o governo gastar por fora do teto, enquanto negocia com o Congresso as novas regras fiscais.

Em entrevista ao g1 e TV Globo, Marcos Mendes, pesquisador do Insper e um dos idealizadores do teto, fez alertas em relação a essa possibilidade. “Você não pode simplesmente dar um ‘waiver’ e aumentar (os gastos) o quanto quiser. Será necessário negociar essa licença em troca de reformas que controlem a despesa”, disse o economista.

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