Os planos de previdência aberta administrados pelas seguradoras brasileiras ultrapassaram R$ 1,6 trilhão em ativos sob gestão em 2025, de acordo com a Fenaprevi, salto de 13,4% em doze meses, impulsionado por uma captação líquida de mais de R$ 60 bilhões em 2024.

Esse crescimento volumoso pressionou gestores a buscar classes descorrelacionadas da renda fixa. A resposta veio na forma de fundos de previdência que destinam uma fatia, limitada hoje a 40% pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), a criptoativos, mantendo o restante em títulos públicos ou DI para preservar liquidez e previsibilidade.

A energia detrás dessa tendência não nasce apenas de planilhas de correlação. Ela reflete a penetração cultural do Bitcoin em outras vertentes do dia a dia digital. O interesse dos brasileiros em criptomoedas vai além de investimentos. Até no setor de apostas e jogos, os ativos digitais já adentraram.

Os Bitcoin casino misturam os preferidos do entretenimento online, como slots e jogos de carta, com micropagamentos instantâneos. O mesmo ocorro em lojas e empresas de serviços que aceitam moedas digitais. O uso delas está se tornando cotidiano, o que explica porque os tokens estão chegando até no mercado de previdência.

Ascensão dos fundos de previdência com criptomoedas

A Hashdex lidera isso com quatro fundos de previdência. O principal, o Hashdex 40 NCI XP Seg Prev, reserva até 40% do portfólio a um índice de grandes criptomoedas e mantém 60% em renda fixa de alta liquidez, exigindo aporte inicial de R$ 5.000 para investidores qualificados.

Para o público geral, versões com limite de 20% em cripto começam em R$ 100, parceria com Icatu, tornando a porta de entrada acessível mesmo a quem faz contribuições mensais modestas. Outra protagonista é a Empiricus Gestão, que, em colaboração com o BTG Pactual, distribui o Cripto 20 Prev.

Alocação‐base de 20% em cripto e 80% em Tesouro IPCA+, aporte mínimo de R$ 1.000 e público restrito a investidores profissionais, uma configuração pensada para suavizar a volatilidade sem abrir mão do pulo do gato tecnológico.

Segundo Marcello Cestari, analista da casa, cripto e títulos atrelados à inflação formam uma combinação com grande potencial de retorno real no horizonte de 20 anos. Um horizonte que coincide, não por acaso, com a vida média dos planos VGBL no país.

O Itaú entrou no jogo em dezembro de 2024 com um produto voltado ao varejo alta renda, sob a marca Itaú Digital Assets Prev, após obter sinal verde interno para custodiar cripto localmente. Embora mantenha a fatia em ativos digitais entre 10% e 40%, o banco reconhece que a demanda se tornou barulhenta demais para ser ignorada.

Regulação: Freios e contrapesos

O desenho desses fundos só ficou viável após a Resolução CVM 175, vigente desde outubro de 2023, que padronizou a custódia de criptoativos no país e permitiu fundos de investimento com até 100% em cripto, caso não sejam veículos de previdência.

Já a Susep, responsável pelos planos PGBL e VGBL, optou por cautela. Seu teto de 40% impede que gestores repliquem carteiras 100% cripto dentro da previdência aberta, embora o limite seja suficiente para capturar boa parte da alta histórica do Bitcoin. A divergência regulatória explica por que os lançamentos ainda chegam em conta‑gotas.

Mais restritivo ainda é o cenário das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (fundos de pensão), vetados de qualquer exposição a cripto após resolução do Conselho Monetário Nacional. Esse hiato contrasta com o percurso de grandes fundos dos EUA e do Canadá, que já detêm participação direta em ETFs de Bitcoin desde 2021.

Mas também reforça a vocação experimental do mercado brasileiro. Testar primeiro na previdência aberta, onde o investidor assume risco individual, antes de avançar sobre planos patrocinados. A cotação do Bitcoin no mercado brasileiro estacionou num platô em torno de R$ 655 mil, após oscilar mais de R$ 130 mil nos últimos trinta dias.

Embora o salto de 285% contra 55% da Selic desde 2021 seja sedutor, a série histórica também registra tombos de 65% em um único ano (2022). Para Samir Kerbage, CIO da Hashdex, o segredo está no rebalanceamento automático. Segundo ele, se o cripto sobe demais, vendemos excedente e aumentamos renda fixa, se cai, compramos mais.

Esse método, diz ele, é a troca a adrenalina do day trade pela disciplina do piloto automático, reduzindo a tentação de resgates em picos de pessimismo. Apesar do apetite do público, o teto regulatório de 40% ainda faz sentido.

A Superintendência de Seguros Privados manteve o limite de 40% de outros ativos nos planos abertos ao publicar sua nova circular sobre investimentos dos PGBL e VGBL em 2024, regra que, segundo a autarquia, preserva o caráter previdenciário dos produtos e evita assimetria de riscos.

Em contraste, a CVM já autoriza fundos genéricos 100% cripto desde a Resolução 175. No entanto, esses veículos não contam com benefício fiscal e tampouco têm o objetivo de formar renda de aposentadoria.

Enquanto isso, o teto vem estimulando estruturas híbridas como a do Itaú Flexprev Bitcoin V40, que investe até 40% no ETF BITI11 e mantém 60% em CDI, com aporte mínimo de R$ 1,00 e taxa total de 0,50% ao ano. A fórmula busca oferecer o melhor dos dois mundos, previsibilidade de renda fixa e opcionalidade de alta.