Foto: Divulgação/Furg
Foto: Divulgação/Furg

Vinte achados arqueológicos foram encontrados no terreno da Havan, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Entre eles estão cerâmicas pré-coloniais de dois tipos diferentes, incluindo uma de indígenas tupi-guaranis, e pedaços de louças fabricadas no final do século 19. O material foi guardado na Universidade Federal do Rio Grande (Furg).

Na última semana, a obra esteve no centro de uma polêmica após o presidente Jair Bolsonaro admitir que fez trocas na direção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao receber reclamações de Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamentos e apoiador ferrenho do político. “Tomei conhecimento que uma obra… Uma pessoa conhecida, Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta, né? ‘Que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente quanto meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com ‘ph’. Explicaram para mim, tomei conhecimento e ripei todo mundo do Iphan”, disse Bolsonaro durante evento na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

As declarações acabaram resultando na apresentação na última quinta-feira (16) de uma notícia-crime contra o presidente no STF (Supremo Tribunal Federal), apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues, onde ele pede que Bolsonaro seja investigado por prevaricação e advocacia administrativa. Indicado por Bolsonaro e recém-empossado ministro do Supremo, André Mendonça foi sorteado como relator da ação.

Feitas por povos indígenas, essas cerâmicas encontradas ali são de dois tipos diferentes, da Tradição Vieira e da Tradição Tupi-Guarani. Uma das diferenças entre elas é o local onde os fragmentos são localizados. Na primeira, os sítios arqueológicos estão em áreas alagadiças, enquanto a outra é proveniente de sítios erodidos entre dunas. Há a possibilidade de serem encontradas no mesmo local, o que é mais difícil de ocorrer.

No canteiro de obras da Havan foram localizadas mais cerâmicas da tradição Vieira, que podem ter vindo de “alguma duna erodida no fundo do empreendimento, e sido espalhados por todo o terreno ao longo dos anos, seja pela ação humana ou ação natural”, destacam os profissionais. Os objetos podem ter entre 200 a 2 mil anos.

Foto: Reprodução/Archaeos

São recipientes simples, sem decoração. “Em suma, a tradição Vieira é conhecida por possuir vasilhas de base plana ou convexa, por terem tamanhos pequenos, com formas e contornos simples, coloração escura e geralmente sem decoração”, observam os pesquisadores que assinam o relatório final.

Apenas um fragmento é de cerâmica Tupi-Guarani, que estava bastante desgastado, conforme descrição dos profissionais. “Mas parece ter a decoração corrugada, característica de vasilhas utilizadas como panelas”, segundo trecho do documento.

Também foram encontrados fragmentos de uma “possível panela de barro” e três artefatos históricos de faiança fina, uma louça branca, associada a argilas mais plásticas. Porém, diferente dos outros achados, são de um período diferente. Uma delas, com decoração de faixas e friso coloridos na borda, parou de ser produzida nos últimos anos do século 19. Já outros dois tipos passaram a ser produzidos entre 1851 e 1860 e ainda hoje são fabricadas.

Na base de uma dessas peças é possível ler a palavra “Oxford”, marca brasileira de louças criada em 1953.

Devido à identificação dos primeiros vestígios arqueológicos, a Archaeos observou ao Iphan ser necessário a realização de “prospecção intensiva no local e após a continuidade do monitoramento das obras”, segundo projeto encaminhado ao instituto. Por conta disso, o instituto recomendou o bloqueio de parte da obra. Em parecer técnico, foi indicado a “interdição” de uma área de 0,3 hectares, podendo as obras seguir nos outros 30,52 hectares restantes.

O documento é assinado pelo arqueólogo Alexandre Cavalcanti Gomes Neto e pelo coordenador substituto de pesquisa e licenciamento Thiago Berlanga Trindade, da área técnica do CNA (Centro Nacional de Arqueologia), ligado ao Iphan, em Brasília.

No dia seguinte, foi publicada portaria no DOU (Diário Oficial da União) permitindo a continuidade do projeto dos arqueólogos. A autorização é assinada pela diretora substituta do CNA, Danieli Helenco.

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A exigência ocorreu três semanas após Luciano Hang ir até Rio Grande e inaugurar um “atrasômetro” no terreno, devido à demora para obter o alvará do estabelecimento. Na época, segundo o painel, a loja de departamentos aguardava há 150 dias o alvará de construção.

O relatório final foi apresentado ainda em novembro de 2019, no qual os profissionais observam que limpeza do terreno já estava sendo realizada pela escavadeira quando iniciou a atividade de monitoramento arqueológico, que consiste no acompanhamento da retirada da vegetação, da destocagem das raízes, da terraplanagem e do transporte de sedimentos.

Nesta etapa foram localizados mais vestígios arqueológicos, além dos primeiros encontrados.

Os profissionais também fizeram a prospecção arqueológica, com o uso de cavadeira e peneiramento do sedimento. Diferente do monitoramento arqueológico, que se estendeu por três meses, essa etapa foi realizada em quatro dias – de 12 a 15 de agosto. Na prospecção arqueológica foram feitos 96 poços-testes e três sondagens de 1m². Com isso, quatro áreas foram realizadas para a realização das escavações. “Conforme as escavações terminavam, estas áreas eram liberadas”, destaca o documento.