Mulher negra de perfil usando turbante colorido e brinco circular grande, cercada por outras pessoas com roupas e acessórios estampados em um evento cultural.
Ativistas apontam retrocessos recentes, desafios estruturais e avanços obtidos com políticas afirmativas no país (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Mesmo com políticas afirmativas e avanços importantes, a igualdade racial ainda está longe de ser alcançada no Brasil. Ativistas do movimento negro ouvidos pela Agência Brasil no Dia da Consciência Negra destacam conquistas históricas, mas apontam retrocessos recentes, aumento da violência racial e a força de grupos que negam a existência do racismo no país.

Desigualdade persiste apesar de avanços

As políticas de cotas raciais, a demarcação de territórios quilombolas e ações afirmativas são consideradas vitórias importantes. Porém, segundo especialistas, elas contrastam com episódios cada vez mais frequentes de violência racial e com o fortalecimento de movimentos que tentam minimizar ou negar o racismo estrutural.

A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, avalia que o Brasil está distante da equidade racial. À Agência Brasil, ela afirmou:

“São muitos os desafios ainda. A gente está longe de alcançar uma equidade racial de fato no Brasil, um país muito racista”.

Carmela destaca que práticas de racismo explícito voltaram a crescer, citando como exemplo a invasão da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Antônio Bento, no Butantã, em São Paulo. O episódio ocorreu no último dia 12, quando policiais militares armados entraram na unidade após o pai de uma criança — também PM — reclamar de um desenho de orixá feito pela filha. A Lei 10.639/2003 determina que escolas devem ensinar cultura e história afro-brasileira.

O avanço também dessa ideologia conservadora volta com uma série de práticas que estavam até melhorando, como o racismo mais direto, mais violento”, criticou Carmela em entrevista à agência.

Ela também citou retrocessos durante o governo anterior: “A gestão do governo Bolsonaro foi extremamente racista, ao retirar a política de igualdade racial do plano de governo.”

Retomada de políticas públicas

Para Carmela, a retomada da pauta pelo governo federal, incluindo regularização fundiária quilombola, recomposição orçamentária e reestruturação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), representa um avanço.

Desafios persistem para a população negra

A ativista de direitos humanos e fundadora da ONG Criola, Lúcia Xavier, avalia que a mudança para um governo mais democrático melhorou o ambiente, mas não representa necessariamente avanços concretos.

Mas [isso] não pode ser entendido como avanço dos direitos, sobretudo da população negra, como igualdade racial ou mesmo pelas condições dos direitos das mulheres”, disse ela à Agência Brasil.

Segundo Lúcia, as políticas afirmativas não conseguem compensar a falta de trabalho digno, a violência policial e a dificuldade de permanência estudantil. “Você tem uma ação afirmativa voltada para a educação, o que é uma coisa muito positiva, mas, em compensação, não tem trabalho…”, analisou.

Conquistas da luta coletiva

A coordenadora da Revista Afirmativa e ativista da AMNB e do Instituto Odara, Alane Reis, destaca que é possível celebrar vitórias históricas construídas por movimentos negros ao longo de décadas. Entre elas, ações afirmativas no ensino superior e concursos públicos e o reconhecimento constitucional dos direitos quilombolas.

Esses movimentos conseguiram, a partir de muita luta, conquistar algumas coisas […] Houve também a garantia constitucional do direito das populações quilombolas”, afirmou à Agência Brasil.

Apesar disso, ela ressalta que o Brasil ainda não garante plenamente esses direitos. Ainda assim, considera que as conquistas contribuíram para romper o mito da democracia racial:

Agora, 55 anos depois, a gente pode dizer que esse mito da democracia racial ruiu”.

Alane também enfatiza a necessidade de políticas profundas para combater desigualdades que afetam sobretudo mulheres negras. “Nós somos a base da pirâmide […] Somos 2% do Congresso Nacional e nunca existiu no Supremo Tribunal Federal (STF) uma mulher negra ocupando uma cadeira”.

Ela considera que a juventude negra de hoje demonstra mais orgulho de sua identidade, resultado direto das políticas afirmativas. “Nos últimos 10 ou 15 anos, isso mudou. As crianças negras falam de sua cor e não de forma mais amenizada”, afirmou.

Dados evidenciam violência racial

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, entre janeiro e 16 de novembro de 2025, o Disque 100 recebeu 13.813 denúncias relacionadas à igualdade racial, totalizando 26.901 violações. Os estados que mais registraram denúncias foram São Paulo (3.631), Rio de Janeiro (1.898) e Minas Gerais (1.260).

As mulheres são as principais vítimas: 51,51% dos casos, enquanto homens representam 38,64%.