
A megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro reacendeu um dos debates mais controversos da segurança pública brasileira: o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho (CV) devem ser classificados como organizações terroristas?
A ação, considerada a mais letal da história do país, dividiu opiniões entre autoridades e especialistas. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende cautela e uma estratégia de combate ao crime que atinja “a espinha dorsal financeira das facções”, governadores e parlamentares da oposição pressionam pela aprovação de um projeto de lei que reconheça esses grupos como terroristas.
Em meio à polêmica, o governo federal e o estado do Rio anunciaram a criação de um escritório conjunto de cooperação para reforçar o enfrentamento ao crime organizado.
O que diz a lei brasileira?
A Lei Antiterrorismo (13.260/2016) define o terrorismo como atos motivados por questões ideológicas ou políticas. Já as facções como o PCC e o CV são classificadas como organizações criminosas, com foco em lucro financeiro.
Para o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, referência no combate ao PCC, essa distinção pode gerar lacunas perigosas. Ele exemplifica que, se uma facção explodisse uma bomba no metrô de São Paulo sem motivação ideológica, o ato não seria considerado terrorismo, apenas homicídio ou explosão.
Pressão política por mudança na lei
Governadores e secretários de segurança pública de estados como São Paulo defendem alterar a legislação. O secretário Guilherme Derrite, que deve se licenciar para relatar o projeto, afirma que a proposta “equipara facções criminosas a organizações terroristas”.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) declarou que o crime organizado é “o principal risco ao Brasil, maior até do que o risco fiscal”. Segundo ele, “é inadmissível que cidadãos sejam obrigados a abandonar suas casas ou negócios por ordem de criminosos”.
Governo e especialistas defendem cautela
Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, argumenta que “uma coisa é terrorismo, outra são facções criminosas”. Segundo o governo federal, misturar conceitos pode dificultar o combate ao crime e abrir brechas para interpretações políticas.
O professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getulio Vargas (FGV), alerta em entrevista para a CNN, que essa mudança poderia permitir intervenções internacionais ou uso de forças militares estrangeiras, comprometendo a soberania nacional.
O presidente Lula sancionou recentemente uma lei que endurece o combate ao crime organizado, ampliando a proteção a agentes públicos e endurecendo penas — mas sem equiparar as facções ao terrorismo.
O conceito de narcoterrorismo
O termo “narcoterrorismo” vem ganhando força no discurso político latino-americano. O governador do Rio, Cláudio Castro, classificou a operação que resultou em 121 mortes como uma “guerra ao narcoterrorismo”.
Segundo o professor Rafael, o termo surgiu em 1983, quando o então presidente do Peru, Fernando Belaunde Terry, denunciou uma aliança entre narcotraficantes e grupos terroristas. O conceito, porém, é visto como um discurso político, e não jurídico.
“Existe uma semelhança entre as táticas usadas por traficantes e terroristas, em especial no controle territorial. Mas o terrorismo tem uma ideologia e usa o terror para defendê-la, enquanto o tráfico reage ao Estado”, explica Alcadipani.
Projeto amplia conceito de terrorismo
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 724/25, que pretende incluir o tráfico de drogas ilícitas no conceito de terrorismo. O texto prevê punição para quem financiar, proteger ou facilitar o tráfico, caso essas ações gerem terror social.
O texto foi aprovado na Comissão de Segurança Pública e segue para análise na CCJ antes de ir ao Plenário e, posteriormente, ao Senado.
Especialistas alertam para riscos e precedentes
O professor de Direito Rafael Strano, da Universidade Mackenzie, explica ao veículo Valor Econômico que o narcoterrorismo “não tem previsão legal no Brasil” e que equiparar tráfico a terrorismo pode gerar violação de direitos e até intervenções externas.
Ele lembra que “a atual tensão entre Venezuela e Estados Unidos está ligada à classificação do tráfico como terrorismo”, o que “relativiza a soberania nacional”.
Alcadipani, a CNN, também vê o conceito como “subterfúgio discursivo” usado para justificar interesses políticos na América Latina.
Em fevereiro, oito cartéis latino-americanos foram incluídos pelo Departamento de Estado dos EUA na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs) — a primeira vez em que grupos puramente criminosos receberam essa classificação.
Em maio, autoridades americanas pediram que o Comando Vermelho e o PCC também fossem reconhecidos como terroristas, durante reuniões com o governo brasileiro.
Um debate que divide o país
Entre endurecer as penas e preservar o equilíbrio jurídico, o Brasil se vê diante de uma decisão complexa e estratégica. A discussão sobre rotular facções como terroristas toca em pontos sensíveis: segurança, soberania e direitos fundamentais.
Enquanto o Congresso analisa o projeto de lei, o país acompanha atento uma das discussões mais intensas dos últimos anos sobre como definir e combater o crime organizado no Brasil.
 
					 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		