
A doutrina socioeconômica liberal preconiza a mínima intervenção do Estado na economia, através de sua retirada do mercado, que, em tese, se ajusta naturalmente regido pela mão invisível e permitindo também a regulação da ordem econômica. Muitos formuladores de politicas públicas utilizam apenas como argumentos para ludibriar a opinião pública e absorver a organização estatal como ferramenta estratégica para engordar os negócios privados e quebrar o elo do fluxo circular de rendas. O Estado é uma organização que se ajusta a qualquer sistema de organização social da produção, inclusive o Capitalismo. Todavia o grande desafio é saber o tamanho da estrutura estatal necessária para organizar com equilíbrio as relações sociais.
O novo liberalismo surge para combater principalmente, a política do Estado de Bem-Estar social, um dos preceitos básicos da social democracia e o principal instrumento para combater as crises capitalistas. Os países ditos liberais preservam Estados fortes, capazes de intervir até nas estruturas soberanas de seus pares, utilizando os pentágonos de poder de forma gradativa chegando até ao poderio bélico, o qual é aplicado como última alternativa para defender a sustentabilidade dos padrões de vida de seus habitantes, a única garantia de uma soberania sem ameaças.
A força do Estado permite a manutenção de mercados de futuros organizados e bem regulados que permitem a formação de estoques reguladores de matéria prima para garantir os suprimentos para seus parques industriais domésticos e a manutenção da estabilidade de preços no mercado interno, criando um ambiente transparente e livre para a prática das atividades econômicas competitivas, saudáveis e com liberdade para inovar. Esse ambiente sem a mão visível do estado causa distorções e aumenta a propensão para uma instabilidade econômica e o surgimento de políticos populistas com suas promessas milagrosas e empresários deturpadores da ética empresarial.
Os Estados Unidos é grande produtor de petróleo e somente exporta o excedente, após garantir o estoque preventivo para evitar surpresas. Na contramão vem o Brasil uma nação privilegiada pelas condições dos fatores, mas com politicas comerciais fragilizadas pela falta de compromissos com a soberania popular e excesso de lealdade aos corruptores de plantão. Nos últimos anos foi formulada uma política de preços para combustíveis a qual beneficiou apenas os acionistas do monopólio estatal, que obtiveram um rendimento de 40% ao ano, um escarnio para os demais setores da economia brasileira. Saliento que a origem dessa fartura está na queda das margens de outros setores e não defasagem do poder de compra da sociedade. Será preciso buscar soluções em curto prazo para esse problema especificamente, mesmo porque as consequências serão agressivas para todo o conjunto da sociedade, devido a grande dependência das estruturas produtivas por derivados de petróleo.
Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do planeta, e não aproveitar essa vantagem comparativa para proteger seus habitantes de uma elevação dos preços de produtos para subsistência e justificar com fatores externos é uma irresponsabilidade com os princípios constitucionais e uma agressão aos seus habitantes e para variar alegam que a intervenção do governo para garantir a soberania vai romper com os valores do livre mercado. Essa falácia foi repetida a exaustão pelos governantes desde 2017, e as consequências graves estão assolando milhões de brasileiros.
A falta de responsabilidade na condução dos instrumentos de controle do equilíbrio da economia está também demonstrada na condução da Politica Monetária pelo Banco Central. Primeiro com uma queda livre nas taxas de juros, o que até foi positivo no mercado de crédito, mas para certa camada social, como a classe média alta com renda garantida. Mas como a queda foi artificial, pois não havia produtividade na oferta para tal, causou uma agonia nos mercados produtivos quando os juros apontaram uma tendência em retornar a dois dígitos, tal postura serve apenas para proteger os financistas e sugar o que ainda resta na capacidade do poder de endividamento dos consumidores.
Uma sociedade privilegiada porque tem excedentes de energia proveniente de seu octógono de matrizes e para ajudar se tornou autossuficiente em petróleo após triplicar a produção nesse século, é maior produtor de proteínas de origem animal do planeta, ostenta um superávit na exportação de grãos sustentado por forte subsidio estatal e grandes extensões de terras férteis e malha logística funcional. Essa população não pode aceitar que o processo inflacionário que vem castigando sua qualidade de vida tenha a mesma origem de outras regiões as quais não possuem as mesmas condições dos fatores. A única explicação é que a inflação brasileira é uma construção por incompetência ou por caprichos para beneficiar uma casta com os arranjos para corrigir o problema. A manutenção da alta taxa de juros defendida a ferro e fogo pelo mercado financeiro, a dolarização dos preços dos combustíveis no mercado interno e o fim dos estoques reguladores de alimentos são fortes sinais para sustentar a tese da irresponsabilidade em nome de uma doutrina socioeconômica liberal, porem as avessas.
“A riqueza de uma nação se mede pela do povo e não pela riqueza dos príncipes”. Adam Smith, filósofo e economista escocês.
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Everton Araújo é brasileiro, economista e professor.