
Uma parte da sociedade brasileira clama por justiça e acreditam que as leis existem somente para punir os pobres e as justificativas são diversas e sustentáveis para o cidadão comum. A sensação é de uma Justiça cega apenas para os ricos e com olhos arregalados para os desprovidos de grana. A Constituição de 1988 garante o mesmo tratamento a todos os cidadãos, no entanto na vida real a diferenciação é escancarada pela atuação da grande maioria dos agentes do Estado, que tem o dedo apontado principalmente para as pessoas da base da pirâmide social.
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu recentemente que é constitucional o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar “medidas coercitivas” que julgar necessárias contra pessoas inadimplentes. Essa medida vai segregar ainda mais os trabalhadores brasileiros, os quais sofrem com a instabilidade permanente da economia. Desde a eleição para Presidente da Republica em 2018 que a pauta inadimplência entrou no debate politico, prometeram soluções para amenizar o problema que afeta quase metade dos consumidores adultos de todo o país, pois bem nada foi feito e como sempre voltaram a alimentar as esperanças novamente em 2022, lembro que a epidemia continua assolando com a mesma intensidade Conforme levantamento realizado pelos Órgãos ligados aos comerciantes, o Brasil ostenta um contingente de 65,19 milhões de pessoas adultas com CPF negativados em janeiro deste ano. Essa quantidade de pessoas representa quase um terço da população brasileira. É o equivalente a população do Reino Unido e maior que a da França, duas nações que tem produto interno bruto superior ao Brasil.
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Acredito que poucas são as pessoas que entram em dividas para dar calote, a maioria aproveita a disponibilidade de crédito e uma rara oportunidade para atender aos seus desejos de consumo, muitas vezes até de bens de primeira necessidade. Como a economia brasileira por motivos diversos, os ciclos de crescimentos são mais curtos que os de recessão, isso agride o orçamento dos trabalhadores, os quais são obrigados a escolherem entre as necessidades básicas de sobrevivência ou pagar aos credores, os quais venderam ou emprestaram assumindo os riscos. Essa triste realidade está se agravando com a privatização de setores primordiais como energia e agua, os quais por características não permitem concorrência e as agencias de regulação protegem demasiadamente os empresários sem levar em consideração as razões pelas quais a sociedade infelizmente buscam alternativas fraudulentas para sobreviver.
A percepção de injustiça que assombra grande parte da sociedade brasileira se sustenta em inúmeros fatos. Na mesma semana que o STF permite a condenação de devedores, inclusive com penas duras como impedir a participação em concursos públicos e apreensão de documentos, torna inocente um ex-governador que ostentava riquezas com origem duvidosa e nessa esteira cruza os braços diante da maior fraude na historia do capitalismo brasileiro. O espetáculo ficou ainda maior com a suspensão da apreensão de documentos das lojas Americanas a pedidos de grandes bancos, por um Ministro que vem sendo criticado desde que assumiu a cadeira. Não estou duvidando da legalidade, pois é sabido que é um principio constitucional, porem não pode ofuscar a moral a qual entendo como sendo à base de sustentação de qualquer sociedade equilibrada.
Diante de tantas punições que a sociedade sofre, acredito que essa é mais um instrumento que vai servir apenas para marginalizar os pobres, dificultar o crescimento econômico e aumentar a burocracia nos tribunais e consequentemente os riscos para investir em uma sociedade que sempre usou o castigo até em projetos pedagógicos na educação de base e os resultados continuam negativos, apenas protegendo a casta. Precisa corrigir a rota, são 523 anos de punição e somente a minoria privilegiada tem alguma coisa positiva para apresentar. Será essa a resistência a inevitável mudança? Como é inevitável, se não houver um pacto social poderá ser dolorida.
“O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”. Platão filósofo grego.
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Everton Araújo é brasileiro, economista e professor.