
Assistir a uma ocorrência policial de natureza simples, como a reclamação de som alto feita pelo telefone 190, terminar em afastamento de dois policiais militares por acusação de excesso e violência é algo que assusta. Não é possível que isso tenha se repetido no maior Estado do Brasil, por uma corporação centenária, histórica e respeitada, justamente num momento em que o mundo pede o fim das mortes provocadas erroneamente por agentes de segurança.
De nada adiantou falar aos quatro cantos do assassinato de George Floyd pela ação covarde de policiais de Minneapolis (EUA). Casos de violência policial passaram a pipocar em São Paulo, com vídeos gravados mostrando abusos cometidos por quem deveria prezar pela segurança. A ponto do governador vir a público dizer que todos os policiais militares, incluindo comandantes e oficiais, terão de passar por treinamento – o tal programa ‘Retreinar’, que parece não ter surtido o efeito desejado.
Isso porque, nesse domingo (12), mais uma vez a PM paulista apareceu em imagens de uma desastrosa abordagem divulgada pelo Fantástico, da Rede Globo. O chamado de perturbação do sossego – um veículo estaria na frente do bar com som alto, incomodando os vizinhos – se transformou em cenas de violência policial explícita, inclusive com pisão na garganta de uma mulher de 54 anos que já estava caída ao solo, com a tíbia fraturada.
As imagens podem ter sido editadas, os policiais podem ter sido agredidos antes, mas nada justifica as atitudes tomadas por eles. Nada!
Para quem aprendeu na própria PM de São Paulo o ‘Método Giraldi’ – que tive a honra de conhecer e praticar junto com um grupo de jornalistas – ver cenas como essa causam, no mínimo, uma tremenda estranheza. Afinal de contas, não é isso que os policiais aprendem no Centro de Formação de Soldados, em Pirituba. Não é mesmo.
Existiam muitas alternativas para que aqueles policiais pudessem atender ao chamado, saindo de lá com a missão cumprida. Muitas. E a que eles escolheram foi a pior possível.
Agir com inteligência policial é jamais ter de puxar a arma do coldre, principalmente em ocorrências como essa. Verbalizar com o responsável pelo veículo e pedir que abaixe o volume era a primeira delas e nem isso sabemos se foi feito. Verifiquem os documentos do carro e se algum problema for detectado, chamem o guincho – só isso já resolveria tudo.
Ah, houve recusa por parte do dono do carro em abaixar o volume? Tem uma possibilidade de revolta por parte de quem mora ali? Chamem reforço! Não tentem em dois resolver uma ocorrência que pode se transformar num grande problema. E o bar, tinha alvará? Teria permissão para funcionar numa pandemia? Chamem a Fiscalização do Comércio e deixem que os agentes da Prefeitura tomem as providências. Inteligência, gente! Não é pedir muito.
A PM se defende, dizendo que este tipo de problema em ocorrências é pequeno perto do volume de atendimentos que são feitos em todo o Estado. Não tenho dúvidas de que é, mas o estrago causado por esses excessos coloca em xeque a centenária história da polícia bandeirante.
Apuração rigorosa para os casos de excesso, assistência às vítimas de violência policial e mais respeito com a população, sobretudo a pobre e preta – que é a que mais sofre em casos como o retratado pelo Fantástico – é o mínimo. Não deixem que se perca a confiança em vocês por completo.
Formado em Jornalismo pela UniFaccamp; pós-graduado em Segurança Pública e Cidadania pela Faculdade Anhanguera; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública desde 2013. Atua na área desde 1995: passou por rádios, jornais impressos, site e desde 2010 trabalha como assessor de imprensa na área política.
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