O Dia da Consciência Negra e o Navio Branqueiro - Artigo por Vinícius Vieira
Foto: Arquivo Pessoal

Eu, enquanto homem negro, gastei muitos anos da minha vida tendo que explicar para pessoas brancas o porquê do Dia da Consciência Negra. Qual a importância e relevância da data, além de ter que responder, com toda paciência do mundo, o porquê de não existir um “Dia da Consciência Branca”.

Eu sempre me mostrei aberto ao diálogo em todas as ocasiões e ainda tenho a utopia de essa ser uma ferramenta muito importante para desconstrução de paradigmas e para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Entretanto, o que eu percebo, na maioria das vezes, é que ninguém está disposto a compreender, a aprender e a ouvir. Quando uma pessoa branca questiona uma efeméride como o Dia da Consciência Negra, ela não vai sair desse papo defendendo a existência da data, ou aprendendo sobre a importância dela, muito pelo contrário, ela quer apenas o seu aval, de pessoa preta, para continuar se opondo a essa celebração: “Se tivéssemos 364 dias de consciência humana, a gente não precisaria de um Dia da Consciência Negra”, já me disseram infinitas vezes.

Mas onde está essa “consciência humana” quando em 10 anos (2012 a 2022), 73% dos homicídios no Brasil foram contra pessoas negras, registrando uma média de 111 pessoas pretas e pardas assassinadas por dia (Atlas da Violência)? Cadê a consciência humana quando as taxas de desemprego no Brasil, em 2023, somaram 21,4% entre pessoas negras, enquanto a população branca somou apenas 6,8%, segundo o IBGE? Existe “consciência humana” quando apenas 8% das pessoas negras ocupam cargos de chefia (Contrate uma Preta), sendo que representamos a maioria no país, com 55,5% da população (IBGE)?

É evidente que existe um país desigual no qual a maior população étnica do país, é também a mais assassinada, a que está mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos, como chuvas, enchentes e estiagem, ao mesmo tempo é a que menos têm acesso à educação, saneamento básico e boas condições de trabalho. Tudo isso é reflexo de um processo histórico em nosso país chamado Escravidão, que após três séculos, ela chegou ao fim negando aos negros o acesso a moradia, a educação, ao trabalho, e tudo isso impacta diretamente na vida do negro até hoje em nosso país.

Diante de todos esses contextos, é muito desgastante ter que argumentar sobre a importância de uma data como o Dia da Consciência Negra. Entretanto, porém, todavia, dias atrás me deparei com um print na internet que me tirou uma deliciosa gargalhada e me poupará pelas décadas seguintes de uma série de diálogos desnecessários, gastando dados e estudos de intelectuais negros contemporâneos à toa com quem não faz questão nenhuma de aprender nada. A imagem era de uma postagem feita por uma professora que dizia que ao ser questionada por aluno sobre o porquê de não existir o Dia da Consciência Branca, rapidamente um outro aluno refutou perguntando se existiu o “Navio Branqueiro”.

Como nunca pensamos nessa resposta antes?

Artigo por Vinícius Vieira, jornalista, colaborador no portal de música independente “Seguimos Fortes”, co-autor do livro “Mestres da Reportagem Vol. 2” e ganhador do “Prêmio Neusa Maria de Jornalismo” em 2020 com a matéria “Porque a Beyoncé a rainha do pop e do afrofuturismo” pela Exame.