
O Brasil em pleno século XXI ainda enfrenta distorções na economia e desigualdade social por causa do longo período escravocrata e pela maneira como ocorreu o processo de abolição. As deformações na economia brasileira foram criadas a partir do momento em que a escravidão foi mantida, pois era a base do sistema legal desprezando o capitalismo como sistema de organização social o qual estava em vigor na Europa e América do Norte. A servidão não permite a formação de mercado consumidor, justamente por impedir o “fluxo circular de rendas” um dos pilares da economia de mercados.
Os colonizadores portugueses fizeram da mão de obra escrava a base para a exploração da colônia, sustentando dessa forma todos os ciclos econômicos que se sucederam. A exploração do mais elementar recurso de produção beneficiou reis, comerciantes, produtores rurais e até ordens religiosas que trataram a questão de forma insignificante e apenas visando aos seus próprios interesses. Grandes patrimônios se construíram a partir do uso do recurso humano sem despesas, era uma atividade empresarial livre de riscos, o que obviamente contrasta com a lógica capitalista, a qual os riscos são barreiras de entrada e saída e o empresário é alguém disposto a viver em ambientes com ameaças permanentes.
A zona de conforto que os beneficiados permaneciam evidentemente não haveria motivos para a humanização da produção. Os efeitos dessa organização social desumana ainda estão presentes no comportamento das classes dominantes, dada a resistência para corrigir. Mesmo sabendo que os seus benefícios estão garantidos exatamente por controlar os meios de produção. É sabido que o pagamento de salários garante a expansão da demanda, provocando o aumento da oferta e a consolidação de um capitalismo moderno e com justiça social. Essa conduta da elite empresarial brasileira sustenta a lógica do desemprego, a baixa produtividade dos meios de produção e a desqualificação do trabalho como gerador de riquezas, garante a exploração da mais valia, dificultando a resistência dos sindicatos de trabalhadores.
A concentração de rendas e a pobreza cresce ininterruptamente na sociedade brasileira, a causa não foi atacada jamais, mesmo com alguns avanços nas politicas de inclusão, porem não é suficiente sem o adicional da motivação nas camadas sociais da base da pirâmide. Códigos de condutas são extintos e outros promulgados na tentativa de buscar equilíbrio social, porém quem assume a hierarquia politica, são verdadeiros capatazes dos donos do capital e adota o compromisso de manter e até aumentar o loteamento das riquezas da Nação, sem ao menos ter o pudor de pensar em distribuir o que é abundante, mesmo que seja uma fatia menor.
Faz-se necessário enfatizar os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, demonstrando que aproximadamente um terço da população do Brasil não tem autossuficiência alimentar. E importante salientar que o Brasil é o quarto produtor de alimentos do mundo e o maior exportador de proteína animal e grãos, ou seja, alimenta uma boa fração dos estrangeiros e deixa os de casa com fome.
A democracia em países como o Brasil deveria ser adaptada a nossas realidades, pois apenas a igualdade é percebida na hora do voto e a liberdade debatida em exaustão é abstrata, pois o direito de ir e vir garantido pela Constituição Federal é violado pela escassez de rendas. É um horror perceber que o avanço civilizatório não acompanha um mundo mais moderno e a violência em suas diversas formas está se normalizando nas classes sociais carentes de recursos e com viés de controle social.
Os escravagistas continuam se beneficiando do processo, pois adaptou outras formas de manter a segregação das massas e ainda como recompensa a adoração como “salvador da pátria”, pois acreditam na farsa do empresário como gerador da riqueza das Nações. “Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão”, Nicolau Maquiavel (1469).
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