
O professor e historiador Donald Cohen, lançou a obra “Privatization of Everything” com uma forte reflexão sobre o papel do setor privado na sociedade global. Para ele a privatização de empresas estratégicas nada mais é que entregar à iniciativa privada a autoridade, o controle e o acesso a bens públicos, muitas vezes extremamente necessários à população. O especialista também mostrou grande preocupação com o Brasil, pois nos últimos anos vem passando por um processo de desestatização, principalmente nos setores de energia agua, petróleo e logística. No entanto é sabido que um Estado com instituições frágeis, comandado por meros despachantes é facilmente devorado pelo choque de interesses do capital.
É natural que as companhias esqueçam a sua função social ou utilizem como diferencial competitivo, e cuide apenas do resultado financeiro, o que pode ser um grande problema para uma sociedade democrática, pois sufoca a população retirando uma parcela cada vez maior da renda da maioria das pessoas e participa diretamente dos lucros das demais empresas, pois o gestor usará o bem primordial para sobrevivência humana, a fim de transferir rendas dos agentes em direção aos acionistas que controlam o monopólio de bens inelásticos. Essas ações não ocorrem quando a empresa é controlada pelo estado em uma democracia, basta analisar os exemplos das quem operam no Brasil, obviamente sem levar em consideração as ingerências de alguns governantes, justamente para gerar insatisfação social e ganhar apoio para entregar ao capital privado.
Recorrendo a história as referências são diversas, mas a catástrofe humanitária da Segunda Guerra Mundial é um exemplo, pois não seria possível sem a enorme contribuição de grandes corporações empresariais privadas, comandadas por pessoas que estavam mais preocupados em ganhar dinheiro, independente dos efeitos nocivos sobre a humanidade. Essas organizações ainda continuam presentes em nossas vidas, como: J. P. Morgan, Coca Cola, Fiat, Volks, IBM, Ford, Hugo Boss, Bayer, BMW, Porsche, Siemens e outras que lucraram com o autoritarismo e antissemitismo da ideologia nazista. Esses exemplos servem como uma demonstração da facilidade de assimilação dos gananciosos e se sustentam na máxima de que os fins justificam os meios.
Os movimentos antidemocráticos estão ganhando força em todos os cantos do mundo, basta observar a sanha de grandes empresários dispostos a financiar líderes de extrema direita, que propagam um moralismo falso e retrogrado como instrumento para iludir as massas, com objetivo de destruir o Estado Democrático e implantar os regramentos estatais alinhados aos interesses dos financiadores. O bilionário Elon Musk se comporta como dono do mundo, gosta de encrencas e desrespeita a soberania das Nações, além de influenciar outros detentores de grandes fortunas a afrontar os códigos de conduta coletivos. Musk vem promovendo manifestações contrárias às leis de países democráticos, inclusive se vangloria de ter financiado um golpe de estado na Bolívia.
No Brasil algumas corporações que dominam diversos setores, inclusive a produção de alimentos, pressionam os agentes públicos para adquirir vantagens, ou seja, uma mudança de regramento, ou até deixar passar a boiada. Um fato que chamou atenção dos mais atentos foi à greve dos caminhoneiros financiada por grandes empresários da logística, para pressionar o governo com o intuito de atender as suas reivindicações. E recentemente alguns empresários isolados financiaram um levante contra o Estado democrático brasileiro e como consequências o atentado aos prédios dos Três Poderes na Capital da República, e entre os objetivos estavam justamente rasgar a Carta Magna em vigor. Também não posso deixar de citar a grande mídia, com a liderança da Rede Globo de televisão que propaga as vozes das elites para tumultuar a vida dos brasileiros, inclusive desqualificando as empresas estatais com factoides.
É assustador a incapacidade da sociedade brasileira em reagir, pois prefere aceitar a “desgraça” como condição e se contentam com as promessas de que dias melhores virão. Arrebentam estatais de base, degradam serviços públicos e convencem a opinião pública de que só tem uma alternativa, cortar na carne. Entregar monopólios estatais com um regramento humanitário para o setor privado usar e abusar do seu poder de barganha junto à sociedade, é no mínimo um crime de lesa pátria. Naturalmente os gestores privados maximizem os resultados financeiros e não haverá avanços estruturais nas agências de regulação sem pessoas capazes de garantir a integridade moral, uma fantasia em uma sociedade construída sobre a base da vantagem financeira. Sei que isso é uma utopia em se tratando de organizações capitalistas e a crise brasileira tem raízes na institucionalidade, pois não garante regras fortes e claras e regidas com punições exemplares para servir de espelho para gerações futuras.
Fazer reformas nas estruturas do Estado em ciclos de recessão é uma agressão aos mais fracos e um passo para o abismo. A sociedade brasileira está perdendo o controle sobre todos os setores estratégicos, água, energia, logísticas, alimentos, petróleo e para potencializar o horror os egoístas do capital, estão se apropriando dos orçamentos da educação e da saúde, com a permissão dos políticos populistas, muitos deles furiosos com a possibilidade de uma revolução silenciosa das massas promovida pelo acesso à educação pública e a informação irrestrita. A democracia é sensível e está agonizando.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Tribuna de Jundiaí. Everton Araújo é brasileiro, economista e professor.