
A maioria das pessoas não se dá conta da real importância do serviço básico, caso contrário o povo brasileiro teria ido maciçamente às ruas para protestar contra a decisão tomada numa das comissões da Câmara dos Deputados, que arquivou a proposta de mudança na lei que regula o setor. Sem essa alteração, tudo continua como está, ou seja: a previsão da universalização do serviço fica mesmo para 2060.
Isso significa que a esperança de pessoas que nasceram em famílias pobres ou miseráveis, de conseguir melhorar de vida, sofre um duro baque. O que vemos no Brasil é o bisavô pobre, o avô pobre, o pai pobre e o filho seguindo a mesma via crucis. Aqui, quando a filha de uma faxineira entra numa universidade, isso é notícia de jornal.
Mas, afinal, o que o saneamento básico tem a ver com isso? A razão é simples de entender: quando a criança nasce, seu cérebro não está completamente formado. Durante os primeiros anos de vida, a energia produzida por seu metabolismo é majoritariamente destinada a essa tarefa: dar continuidade a sua formação cerebral. Ocorre que as crianças que vivem em locais sem saneamento estão sujeitas a um maior número de doenças, como diarreias e outras infecções, o que dificulta que essa formação se dê corretamente.
Não há nada mais triste do que ver, geração após geração, a leva de brasileiros condenados a permanecer na pobreza, sem reais condições de avançar social e economicamente pela inacreditável falta de sensibilidade de agentes públicos.
A razão do arquivamento da lei que poderia mudar esse quadro, comandada pela líder da Minoria, a deputada Jandira Feghali, é de natureza ideológica. A nova lei permitiria a participação de empresas privadas na prestação desse serviço – o que acontece, por exemplo, em Jundiaí, com ótimos resultados – e isso contraria um item da profissão de fé desses parlamentares, que saneamento é dever do Estado. Só que assim o problema simplesmente não se resolve. Ou seja: ao restringir, em razão de um dogma, a tomada de uma providência essencial e urgente, condenaram, por décadas, pessoas a viverem em meio a dejetos, bebendo água sem tratamento, sem esperança de melhoria, durante todas as suas vidas.
Miguel Haddad