
O vício em jogos, especialmente em plataformas online – como o “jogo do tigrinho” -, tem se tornado uma problemática cada vez mais comum, afetando indivíduos de todas as idades e classes sociais. Essa prática, que pode parecer inofensiva à primeira vista, esconde um esquema fraudulento e altamente viciante, capaz de gerar graves consequências emocionais, financeiras e sociais.
Desde 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o uso abusivo de jogos eletrônicos como uma doença, por promover prejuízos físicos, psicológicos e inter-relacionais.
Esquema do “jogo do tigrinho”
O “jogo do tigrinho”, por exemplo, utiliza de promessas enganosas de grandes ganhos para atrair jogadores. Essa farsa, além de ser investigada por suspeita de pirâmide, também se vale de influencers e versões teste para maquiar a realidade, induzindo os participantes a acreditarem em chances de lucro inexistentes.
As ações fraudulentas do “jogo do tigrinho” já renderam a prisão de influencers digitais e a apreensão de bens milionários, com acusações de crimes contra a economia popular, associação criminosa, exploração de loteria ilegal e lavagem de dinheiro.
Casos de quem perdeu tudo
Há situações em que o vício em jogos de aposta online vira caso de polícia. Jogadores contraem altas dívidas, vendem seus bens, fogem de casa com medo de credores e até a tiram a própria vida.
De acordo com reportagem do Metrópoles, somente em 2024 a Polícia Civil identificou quatro casos de suicídios de pessoas que se desestabilizaram emocionalmente por causa das apostas on-line no estado de São Paulo. Desde o ano passado, a polícia de São Paulo já registrou mais de 500 boletins de ocorrência envolvendo os jogos de azar on-line.
Um caso que ficou conhecido nacionalmente foi o da enfermeira Gabriely Sabino, de 23 anos. Ela desapareceu por oito dias após uma crise emocional deflagrada pelo vício no Jogo do Tigrinho. Ela teria fugido alegando depressão, por causa de uma dívida de R$ 25 mil.
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Outro caso divulgado pela imprensa foi o da comerciante Vitória Damaceno Bittencourt, de 23 anos. Ela tinha economizado R$ 50 mil para conquistar a casa própria, mas pensou em apostar o valor no jogo do tigrinho na expectativa de aumentar a quantia. Ela contou que iniciou as apostas influenciada por uma criadora de conteúdo, e que no início apostava valores pequenos. Rapidamente, os R$ 100 de lucro viraram R$ 800, valor cinco vezes maior do que ela faturava diariamente em sua trabalho, então ela começou a apostar todos os dias.
Três meses depois, ela retirou R$ 11 mil de uma conta conjunta que mantém com o marido para comprar a casa própria, sem que ele soubesse. Infelizmente, ela perdeu o dinheiro e acabou fazendo um empréstimo de R$ 20 mil no banco para repor e, com a sobra, tentar arrecadar mais. Em outra ocasião, apostou R$ 50 mil que o casal tinha guardado para a casa, e perdeu tudo no mesmo dia. Sem conseguir mais empréstimos, ela se viu obrigada a parar de apostar no jogo do tigrinho e contar a verdade para o marido. Agora, além de endividada, Vitória está com o nome sujo.
“Por mais que as pessoas dissessem que eu estava viciada em jogo, eu falava que ‘não, eu consigo parar quando eu quero’. Só que eu estava viciada. É um vício pior que droga”, afirmou nas redes sociais.
Como o vício em jogos age no cérebro
O vício em jogos não se limita apenas aos aspectos financeiros. Ele provoca alterações no cérebro, especialmente no sistema de recompensa, onde a dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer, é liberada em excesso.
“Decisões arriscadas, que estão muito presentes em jogos do tipo, ativam áreas do cérebro como o córtex pré-frontal ventromedial, o córtex frontal orbital e a ínsula, relacionadas com o ‘sistema de recompensa do cérebro’, responsável por regular a sensação de prazer ligada a uma determinada ação”, explica o médico psiquiatra Dr. Flávio H. Nascimento.
“Quem tem vício em jogos de azar mostra mais atividade nessas regiões. Apostas são incentivadas pela liberação de dopamina, que traz uma sensação de prazer, quando os resultados são positivos. Essa busca pela sensação agradável contribui para o vício, com jogadores compulsivos sentindo euforia quando a dopamina é liberada no cérebro”, explica o médico.
Sintomas que indicam um problema
- Necessidade constante de apostar quantias cada vez maiores;
- Tentativas falhas de parar ou controlar as apostas;
- Preocupação excessiva com jogos de azar;
- Apostas como forma de aliviar emoções negativas;
- Mentiras para esconder o envolvimento com jogos;
- Perda de relacionamentos, oportunidades de trabalho ou estudo por causa do vício.
Tratamento para vício em jogos
O tratamento do vício em jogos é fundamental para a reabilitação do indivíduo e exige acompanhamento médico especializado. A psicoterapia é essencial para modificar pensamentos e hábitos relacionados ao vício, enquanto medicamentos podem ser utilizados para tratar comorbidades como ansiedade ou depressão.
Grupos de apoio e aconselhamento também são recursos valiosos no processo de recuperação, pois oferecem um espaço seguro para compartilhar experiências, identificar gatilhos e desenvolver mecanismos de controle.
Lembre-se: o vício em jogos não é uma vergonha, mas sim um problema de saúde que precisa ser tratado.