
O sono polifásico, caracterizado por múltiplos períodos de descanso distribuídos ao longo do dia, desafia o tradicional modelo monofásico — aquele em que se dorme uma única vez durante a noite. Embora essa prática desperte curiosidade e até seja adotada por algumas pessoas, especialistas alertam para os riscos de desrespeitar os ritmos naturais do corpo humano.
O professor Geraldo Lorenzi Filho, coordenador do Laboratório de Investigação Médica do Sono da Faculdade de Medicina da USP, destaca que a escolha do padrão de sono deve levar em conta a individualidade biológica, mas que o modelo noturno ainda é o mais eficiente para a maioria.
“A verdade é que o sono é muito individual, não existe uma regra geral, a grande regra geral é que o mais fácil é manter esse padrão monofásico, de dormir à noite quando está tudo escuro e de dia ter atividade como a maior parte das pessoas, mas existem possibilidades de outros arranjos temporais em relação ao sono que em geral levam a um estresse da pessoa e do organismo como um todo.”
A evolução natural dos ciclos de sono
A biologia humana já indica certa flexibilidade nos padrões de sono. Recém-nascidos, por exemplo, seguem um modelo polifásico com ciclos curtos e frequentes. Com o crescimento, as crianças adotam o sono bifásico, com a tradicional soneca da tarde, até consolidarem o padrão monofásico durante a vida adulta.
Na terceira idade, muitos voltam a dormir em blocos curtos, retomando um ritmo mais próximo do polifásico. Esses ciclos ao longo da vida mostram que não há um padrão único ou imutável, mas sim uma adaptação às fases biológicas.
Além disso, estudos históricos sugerem que, antes da eletricidade, era comum um sono bifásico noturno. As pessoas dormiam logo após o anoitecer, acordavam por um tempo durante a madrugada — para atividades sociais, religiosas ou de vigilância — e voltavam a dormir até o amanhecer.
Sono polifásico e os desafios da vida moderna
Na sociedade atual, a adoção consciente do sono polifásico encontra fortes barreiras fisiológicas. O ritmo circadiano, regulado por hormônios como o cortisol e influenciado por fatores como a luz solar e a temperatura corporal, determina os horários ideais para dormir. Desrespeitar essas janelas naturais pode prejudicar a saúde física e mental.
Profissionais que trabalham em turnos irregulares são os mais afetados. Dormir de dia e trabalhar à noite pode provocar distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares e transtornos de humor. Ruídos urbanos e a exposição à luz durante o dia também dificultam o sono reparador fora do período noturno.
Há casos extremos de adaptação, como o do navegador Amyr Klink, que durante expedições adotou cochilos de 15 minutos a cada hora para garantir a vigilância em alto-mar. Situações como essa, porém, são exceções. “Existem algumas pessoas que se adaptam a horários diferentes, que ficam acordados à noite, de dia dormem e se sentem bem nesse novo ritmo, mas isso é muito raro, a maior parte das pessoas tem um sofrimento físico e biológico”, reforça o professor Lorenzi Filho.
Cochilos podem ser aliados, mas com moderação
No contexto do sono polifásico, os cochilos diurnos se destacam como uma alternativa benéfica quando bem administrados. Curtos períodos de descanso — com no máximo 20 minutos de duração — ajudam a restaurar a atenção, melhoram o humor e compensam noites mal dormidas.
No entanto, é preciso cuidado. “O mais comum é a gente considerar que o ideal é não dormir mais do que 20 minutos, para evitar que nesse cochilo você entre em sono profundo (REM) e aí quando você acorda tem a inércia do sono, que resulta em às vezes acordar pior do que foi dormir”, alerta o especialista.
Personalização e equilíbrio são fundamentais
A chave está em entender o que funciona melhor para cada indivíduo, sem ignorar os limites impostos pela fisiologia. Para muitos, a melhor estratégia ainda é manter um sono contínuo à noite. Para outros, incluir cochilos estratégicos pode fazer a diferença.
Independentemente do modelo adotado, o mais importante é a qualidade do sono e seu impacto no desempenho ao longo do dia. O modelo monofásico noturno continua sendo o mais harmonioso com a biologia humana e com a dinâmica da vida em sociedade, mas variações são possíveis — e, em alguns casos, necessárias.
 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		 
			
		