General Eduardo Pazuello em entrevista
General Eduardo Pazuello é atual ministro da Saúde. Ele assumiu interinamente com a saída de Nelson Teich. (Foto: Anderson Riedel/PR)

A decisão do Ministério da Saúde de tornar os dados do coronavírus no Brasil menos transparentes foi criticada por médicos e políticos.

Até sexta (5) à noite, o painel disponibilizado pelo Ministério da Saúde permitia a qualquer pessoa descobrir o número de casos, óbitos, pacientes recuperados e em acompanhamento pela doença no país.

No sábado, durante a madrugada, o portal saiu do ar. Quando voltou, só no fim da tarde, tinha apenas informações das últimas 24 horas, omitindo dados anteriores.

Segundo especialistas, isso revela um esforço do governo em tentar dar mais atenção aos recuperados e minimizar as mortes provocadas pela Covid-19, deixando de divulgar, oficialmente, o número total.

O mesmo ocorreu com os boletins diários enviados à imprensa.

Sérgio Cimerman, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, a atuação atual do Ministério prejudica os brasileiros e o combate à doença.

“A gente não tem uma fotografia adequada. Então nós não sabemos na verdade quantos casos a gente tem semanalmente aumentando ou não, e quantos casos estão com óbito e aí a gente não consegue mensurar de modo adequado como é que vai caminhar a pandemia no nosso país nesse momento”, afirma Sérgio Cimerman.

O infectologista José David está preocupado com a sensação de desconfiança da população. Ele faz referência à proposta de recontagem dos mortos, anunciada pelo Ministério.

“Há uma fragilização em termos da credibilidade institucional. A menos que você consiga ter uma argumentação extremamente técnica, que consiga uma explicação coerente, você começa a duvidar daquilo que está sendo informado. Porque você começa a ter um comportamento errático de uma instituição como o Ministério da Saúde que sempre teve um grande prestígio técnico”.

Ricardo Kruchenbecker, da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, afirma que a falta de informações confiáveis prejudica o planejamento dos gestores municipais.

“Um país com dimensões continentais, a gente tem diferenças importantíssimas na configuração da epidemia da Covid em cada região do país, em cada cidade. E essas informações são necessárias para que a gente possa seguir pensando a efetividade das respostas e a necessidade da intensificação das medidas para serem adotadas no enfrentamento da pandemia da Covid. Essa situação pode gerar atrasos na nossa capacidade de responder efetivamente à epidemia no contexto das diferentes regiões”, destaca.

Em uma rede social, o presidente Jair Bolsonaro justificou a decisão de liberar os dados às 22h afirmando que “o Ministério da Saúde adequou a divulgação dos dados sobre casos e mortes relacionados ao Covid-19”. E que “as rotinas e fluxos estão sendo adequados para garantir a melhor extração dos dados diários, o que implica em aguardar os relatórios estaduais e checagem de dados. Para evitar subnotificação e inconsistências, o Ministério da Saúde optou pela divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação.”

O ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas publicou em sua conta pessoal em uma rede social: “com as novas dificuldades para divulgar dados nacionais de infectados, curados e óbitos da Covid-19, as instituições devem ajudar. E que cogita propor ao TCU e aos tribunais de contas estaduais que requisitem e consolidem os dados estaduais para divulgação diária até 18h”.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, cobrou as informações.

“Essas são informações que não são do governo federal, são dos estados. Então, os estados vão divulgar de qualquer jeito, alguém vai consolidar. Vai ser a Câmara, vai ser o TCU? Alguém vai consolidar e vai dar publicidade a isso. Agora é muito ruim que a gente precise estar pedindo, está preocupado com um assunto como esse. É óbvio que a transparência é fundamental, é óbvio que os dados serão divulgados às 19h, às 21h, às 22h, às 23h, e a sociedade vai ter a informação”, afirma.

A pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo complementou a discussão sobre a revisão das mortes pela doença:

“Todas essas divergências e essa impropriedade nessa divulgação de dados acho muito infeliz, inoportuna, no momento em que nós precisamos de dados reais, verdadeiros e transparentes. E a opinião pública precisa diante de uma epidemia dessa magnitude, com esse número de mortes, cujo resultado que nós estamos tendo acesso não é real. Eu concordo com a revisão dos dados, sem dúvida nenhuma, como está sendo proposto pelo Ministério da Saúde, não há dúvida que eu concordo com isso. Agora, quero alertar que qualquer revisão de dados feito em epidemia vai mostrar mais mortes do que hoje existe, não há dúvida. Qualquer resultado que não mostre um número maior será um resultado que nós vamos olhar com muita desconfiança”.

Como reação às mudanças do Ministério da Saúde, a Universidade Johns Hopkins, que atualiza em tempo real o balanço global sobre o coronavírus, chegou a excluir o Brasil do levantamento.

Depois de algumas horas, a universidade voltou a incluir o Brasil nas listas de dados.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo afirmou ainda que a ocultação de dados da pandemia contraria a Constituição Federal, a lei de acesso à informação e as boas práticas de transparência pública. A associação classificou a ação do Ministério da Saúde como abuso de autoridade por parte do alto escalão do governo federal.

Com informações do G1.