
No Brasil, um levantamento realizado pelo O Globo mostrou que a letalidade do coronavírus tem se comportado de forma diferente. Entre o final de março e o dia 11 de abril, o número de mortos pela doença que não faziam parte do grupo de risco cresceu, reforçando a tese de especialistas de que o isolamento vertical não seria suficiente para impedir o avanço da infecção no país.
Os mortos com menos de 60 anos, por exemplo, foi de 11% no dia 27 de março para chegar a 25%. Entre aqueles que não possuíam doenças pré-existentes, como diabetes, cardiopatias e pneumopatias, o número saltou de 15% para 26%. Os dados para a análise forma divulgados pelo Ministério da Saúde.
Na Espanha, por exemplo, segundo país com maior número de óbitos, os mais afetados foram os idosos. Lá, a taxa de pessoas abaixo dos 60 anos que morreram pela Covid-19 é cinco vezes menor que a registrada no Brasil, representando 4,6% dos casos.
Nesta segunda-feira (13), o Brasil registrou 23.430 pessoas infectadas pela doença e 1.328 óbitos.
Isolamento vertical
A análise vai de encontro ao que empresários e políticos, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, defendem. Mesmo isolando idosos e pessoas com doenças crônicas, as mortes ainda acontecerão e a doença vai avançar.
Na contramão do movimento “anti-isolamento” e seguindo as medidas adotadas por outros países, o Ministério da Saúde ainda afirma que todos que puderem, devem ficar em casa.
Secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso diz acreditar que esse cenário mostra que o isolamento vertical não faria sentido.
“Se você tem um número cada vez maior de jovens e pessoas saudáveis morrendo da doença, não faz sentido falar em isolar grupo de risco. Não seria eficaz”, disse ao O GLOBO.
Hipóteses
Algumas razões que possam explicar essa mudança na letalidade do vírus no Brasil considera o fato socioeconômico.
A Covid-19 está chegando na periferias das grandes cidades, onde a população, segundo o professor do Departamento de Epidemiologia da USP, Eliseu Alves Waldman, é “socialmente mais vulnerável”.
“O coronavírus pode se expandir muito nessa região (nas periferias), porque as condições de moradia são mais frágeis. As casas são pequenas, e há várias dividindo o mesmo dormitório”, afirma.
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Professora visitante da Fiocruz, a italiana Marta Giovanetti defende que o Brasil não deve expor a população, principalmente as que vivem em comunidades.
“Algumas pessoas podem ter pensado que valeria a pena expor a população que não pertence à zona de risco e levá-las ao trabalho, mas sabemos que elas também podem ser vulneráveis”, pontua a professora. “Todos estão sujeitos ao contágio, e pode haver uma procura em massa do SUS, o que vai gerar em seu colapso”.
Para Hélio Bacha, coordenador técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, houve uma mudança e essa seria uma segunda fase da doença.
“Primeiro a doença atingiu muitos idosos de melhor poder aquisitivo, que têm uma expectativa de vida maior, depois, eles se isolaram e aumentaram os casos entre a população mais jovem e de menor poder aquisitivo, que precisa continuar a trabalhar e, portanto, acaba tendo uma exposição maior ao coronavírus”, disse ao O GLOBO.
Sobreposição viral
Uma outra explicação para o aumento de mortes entre mais jovens e saudáveis pode ser a combinação do novo coronavírus com outras doenças virais respiratórias.
De acordo com o secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, há uma sobreposição entre os casos de Covid-19 e de influenza A e B.
“Essa é uma hipótese que ainda precisa ser testada, mas acreditamos que é plausível. Podemos estar observando uma cocirculação de outros vírus respiratórios ao mesmo tempo em que enfrentamos a Covid-19. Isso pode fazer com que mais jovens e adultos jovens contraiam a Covid-19 no Brasil do que o observado em países do Hemisfério Norte”.
Outra possibilidade pode estar ligada ao Sars-Cov-2, o vírus que causa a Covid-19.
O Brasil, para o infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria, pode estar enfrentando um patógeno mais agressivo.
“Na China, a doença acometeu mais a população mais velha, e os jovens foram estigmatizados por isso. Os idosos também foram as principais vítimas na Europa. É provável que o coronavírus tenha sofrido uma mutação que aumentou sua agressividade, e isso foi sensível para a população do continente europeu, cuja média de idade em alguns países é avançada. Nos EUA, o maior fator que estamos vendo é o social. Cerca de 70% dos óbitos são entre negros, que predominam entre os pobres”.
Com informações do O GLOBO.