Nesta quarta-feira, 17 de abril, o Brasil celebra o Dia Nacional da Botânica, e o Tribuna de Jundiaí conversou com a pesquisadora Variluska Fragoso, que iniciou um projeto que conta com a “participação” da biodiversidade da Serra do Japi, em Jundiaí.
O projeto de pesquisa se concentra em estudar os impactos ambientais impostos pela mancha urbana de São Paulo na biodiversidade de remanescentes de Mata Atlântica. “As questões de impacto ambiental e de aquecimento global agora são vistas com um pouco mais de atenção. As pessoas realmente estão, de forma muito violenta, se conscientizando de que são questões importantes e mais presentes do que se esperava”, comenta Variluska.
“As projeções mais alarmantes estão sendo surpreendidas por eventos de surtos de pragas e doenças, de enchentes, de queda de produção na terra. Tudo isso vinculado a como a gente usa os espaços naturais.”
De acordo com ela, seu projeto de pesquisa, que também inclui os Parques Estaduais Fontes do Ipiranga e Cantareira, avalia o impacto ambiental em São Paulo, que é uma área tão privilegiada para o tema. O grupo de estudos definiu a região pelo fato de São Paulo ser a região economicamente mais rica do Brasil e que contém mais de 20% da população Nacional do Brasil. Talvez por consequência disso, São Paulo atualmente conta com apenas 8% da cobertura original vegetal que possuía da Mata Atlântica.
“Mesmo com somente 8% da cobertura original, [a região] ainda apresenta níveis extremos de biodiversidade, muitas são espécies endêmicas, encontradas apenas aqui e de que pouco se sabe, muitas não foram nem descritas. É uma biodiversidade bem complexa, por vezes é difícil de definir onde uma espécie termina e outra espécie começa”, explica Variluska.
Serra do Japi
O projeto da pesquisadora traça uma linha de impacto ambiental que parte do Jardim Botânico, no meio de São Paulo, como o ponto mais extremo, exposto e afetado pela ocupação de São Paulo. Assim, segue para a região da Cantareira, que está nos entornos da mancha ao lado de Guarulhos e Mairiporã, e vem para a Serra do Japi.
“A Serra do Japi é um fragmento muito importante nesse gradiente, porque em termos de diversidade de insetos, ele é muito comparável e similar a pontos como [os parques estaduais] Intervales, Petar e Carlos Botelho. Esses são pontos extremamente remotos e superprotegidos de qualquer impacto humano, presumivelmente. E a Serra do Japi está aqui, né? Uma hora de São Paulo.”
Para a pesquisadora, a área do Japi é muito privilegiada, não só pela Serra do Japi que também gera mananciais de fontes de água extremamente valiosos para toda a população, mas também pelo fato de ser uma área grande, com seus 35 mil hectares.
Dessa forma, o projeto visa entender como essas áreas de floresta sentem a poluição e alteração ambiental que a mancha urbana de São Paulo causa. “Elas são presumivelmente protegidas, reservadas. Mas certamente sofrem algum efeito que a área urbana de São Paulo impõe sobre essas áreas vegetais e naturais”.
Avaliação de Biodiversidade
Um aspecto bastante novo no projeto é de como que os pesquisadores avaliam a biodiversidade das áreas. De acordo com Variluska, o grupo está atuando na dissecação da diversidade em diferentes níveis. O primeiro é o taxonômico, que avalia o número de espécies. Os pesquisadores literalmente vão a campo para contar espécies e indivíduos de cada espécie que encontram.
Além disso, realizam outros níveis de diversidade, como a diversidade molecular e genética. “A gente está usando de ferramentas moleculares para identificar as espécies, porque muitas dessas espécies são crípticas, a olho nu tu não consegues entender que são duas, três ou cinco espécies. A biodiversidade é tão alta e tão complexa que é um gradiente contínuo dos organismos em um ambiente dinâmico”, explica.
Plantas Piper
Variluska conta também que sua pesquisa envolve o levantamento de biodiversidade genética, com sequenciamento de nova geração de todo o genoma de plantas do gênero Piper. Segundo a pesquisadora, as Pipers são plantas muito antigas no Planeta e hoje, estão presentes em todos os trópicos.
“Além disso, a gente também vai realizar levantamentos de diversidade fitoquímica destas plantas. As plantas são exímias químicas e elas se usam desses compostos para desempenhar serviços ecológicos para elas, porque elas não têm movimento. Muitos destes compostos químicos que as Pipers produzem desempenham serviços no ambiente: atraindo um polinizador, repelindo um herbívoro ou atraindo o inseto predador daquele herbívoro.”
Passo a passo do estudo
Ela exemplifica: se há uma lagarta comendo uma folhinha de uma Piper, a planta produz um volátil, um composto emitido na atmosfera. Assim, uma vespa consegue sentir esse volátil que a atrai para a folha, onde a lagarta está comendo. A lagarta é a comida dessa vespa.
“E a gente também está abrindo essa gaveta de biodiversidade fitoquímica. Vamos avaliar por metabolômica, tanto por cromatografia líquida como por cromatografia à gás, os compostos que essas plantas produzem. Já o último nível de diversidade que a gente vai avaliar no projeto é o de interações dessas plantas com organismos, e a gente se foca em insetos por serem organismos também altamente diversificados e extremamente sensíveis a alterações ambientais.”
Para este fim, os pesquisadores vão até estas três Unidades de Conservação para marcar plantas e ter seu georreferenciamento. Assim, saberão onde elas estão e poderão acompanhá-las ao longo de dois anos. “Vamos tentar descobrir se o impacto ambiental gerado pela mancha Urbana de São Paulo afeta a dinâmica destes ambientes e como estes níveis diferentes de biodiversidade respondem a alterações ambientais, tentando revelar um caráter mais funcional de biodiversidade. E o Japi se coloca nesse gradiente como o ponto mais remoto e mais biodiverso – e presumivelmente mais protegido.”
Mudanças Climáticas em 2080
Outra vertente do projeto de pesquisa de Variluska é a simulação de mudanças climáticas previstas para 2080, em termos de aumento de temperatura e CO². Segundo ela, esse é um aspecto inédito e importante, porque seria a primeira vez que alguém testa uma cadeia alimentar selvagem e nativa de um ambiente tropical, e de como essa rede se comporta quando desafiados com essas temperaturas e níveis de CO² aumentados.
“O Instituto de Pesquisas Ambientais tem câmeras climáticas, como se fossem bunkers. Em uma câmara controle, selecionamos níveis de CO² e temperatura atuais; e numa segunda câmara teste, em paralelo, configuramos níveis de temperatura e CO² aumentados que são previstos para 2080″, explica. “A gente vai pegar as plantas, quem come essas plantas (os herbívoros) e os predadores desses herbívoros e desafiá-los com simulações de mudanças climáticas previstas para o nosso futuro próximo.”
Dessa forma, os pesquisadores terão que selecionar e propagar os bichos e plantas em laboratório, e cultivá-los em condições controladas.
“É a primeira vez que se faz isso. Todo mundo que já fez esse tipo de experimentação se usa de cadeias artificiais e pegam algum herbívoro que não é o que, porventura, come naturalmente aquela planta. Estamos fazendo uma pergunta bem interessante no âmbito Global, de como que cadeias alimentares respondem às alterações climáticas, mas usando um exemplo super fidedigno, selvagem, natural e local, daqui do nosso bioma. Esse aspecto é bastante inédito e oportuno na bibliografia científica.”
“E a gente acredita que muito provavelmente essas redes de interações ecológicas serão evidentes no Japi, que é um dos lugares mais privilegiado dentro desse gradiente que a gente traçou e que vamos observar durante os dois primeiros anos do projeto”, conclui a pesquisadora.
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