O expediente para Talita Cristiane Petralia, 31 anos, começa cedo, logo às 4h da manhã. Na verdade, ela se prepara para sair de casa às 2h para chegar a tempo no trabalho e dar início às atividades, na linha 562 no Terminal Cecap.
Silvana Pereira de Campos, 51 anos, e Valéria Cristina Chrispim, 35 anos, também compartilham da mesma rotina. As três são motoristas de ônibus em Jundiaí e contaram as alegrias e experiências da profissão ao Tribuna de Jundiaí.
Encontramos as ‘meninas’ reunidas na sala de descanso do terminal, logo após o horário de ‘almoço’, por volta das 8h30. Entre boas risadas e conversas, elas compartilharam que amam o que fazem, mas é necessário força – e paciência – para vencer os desafios.
“Ouvimos com muita frequência a frase: ‘só podia ser mulher’. Quando vamos estacionar o ônibus ou fazer qualquer manobra, colocam a gente à prova. Sem contar que já aconteceu de passageiros se recusarem a entrar no ônibus porque era uma mulher dirigindo”, compartilham as motoristas.
Silvana conta que trabalha como motorista há 14 anos. Ela dirigia perua escolar e, depois de vender a van, teve a oportunidade de entrar no transporte público de Jundiaí.
Já Valéria era motorista de caminhão, depois passou a dirigir fretado e agora faz o transporte coletivo.
Talita, por sua vez, tentou muitas profissões, mas se encontrou de verdade como motorista de ônibus e, há sete anos, acorda feliz para realizar seu trabalho. Há dois anos ela trabalha no transporte público, mas antes dirigia ônibus fretado.
“Eu tentei de tudo antes. Fiz curso de auxiliar de enfermagem, fui vendedora, motogirl, mas foi aqui que me encontrei. Faço por amor”, conta Talita.
Entre tantas piadas sexistas que elas enfrentam no dia a dia da profissão, outro comentário é bastante ouvido por elas. “Todo mundo acha que estamos aqui por falta de estudos”, contam. “Mal sabem que temos que fazer muitos cursos”, comenta Silvana.
Quando o assunto é a aprovação da família, todas disseram que recebem apoio, mas falam sobre ser um trabalho bem puxado. “Não é fácil conciliar a casa, os filhos, o marido, o trabalho. É estressante, mas a gente dá conta sim”, explicam.
Miss simpatia
Talita já conhece praticamente todo mundo que utiliza a linha que passa pelo bairro Morada das Vinhas. Neste dia 8 de março, em especial, uma pequena passageira fez questão de entrar e presentear a motorista com uma rosa.
“Quando eu entrei de férias, muitas pessoas falaram que sentiram a minha falta. É bom receber esse carinho todo”, conta.
Para ela, o essencial no trabalho é nunca deixar o estresse falar mais alto. Ela conta que sempre entrega para as pessoas aquilo que ela também gosta de receber: educação, carinho, simpatia e sorrisos.
“É claro que não é todo dia que você está bem. Tem dia que eu não quero ficar conversando. Mas não maltrato ninguém, educação é essencial”, diz Talita, que também contou que tem uma válvula de escape contra o estresse: dançar nas horas vagas.
Desafios do dia a dia
Talita, Silvana e Valéria demonstram amor pelo o que fazem e sabem muito bem da responsabilidade que carregam. Questionadas sobre os comentários maldosos e piadas que escutam diariamente, elas afirmaram que o segredo é ignorar qualquer tipo de assédio. Elas contam que já chegaram até a receber bilhetes com números de telefones enrolado no meio do dinheiro da passagem.
“Você percebe que o passageiro fica olhando o tempo todo pelo retrovisor, demonstrando insegurança. Muitas vezes, outras mulheres são grosseiras com a gente e fazem comentários como ‘tinha que ser mulher mesmo’. O jeito é não deixar o estresse e nem as situações tomarem conta”.
O que mais vale em tudo isso, é o apoio da família. “Meu netos sentem muito orgulho do que eu faço”, conta Silvana. “Meu filho anda de ônibus comigo às vezes e ele se diverte”, comenta Talita.
Além disso, o fato de trabalharem como motoristas de transporte público não muda em nada o que elas são: mulheres fortes e poderosas. “Quem disse que não podemos ser motoristas e femininas ao mesmo tempo?”, questionam entre risos.