Por 76 anos, a Universidade de Harvard estuda o comportamento humano tentando entender as motivações e reações emocionais, psicológicas e físicas das experiências que acontecem a um indivíduo durante sua vida. No quarto estudo divulgado por uma das maiores instituições de ensino do mundo, a resposta para a pergunta que habitou a maioria das mentes humanas pelo menos uma vez durante a vida: o que é ser feliz?

A conclusão? Nenhuma receita milagrosa, nenhum “passo a passo” engenhoso. A simplicidade do resultado do estudo mostra que a felicidade mora ao lado.

“Há muitas conclusões deste estudo”, disse o diretor do estudo e psiquiatra americano Robert Waldinger à BBC. “Mas o fundamental, que ouvimos uma vez ou outra, é que o importante para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, é a qualidade dos nossos relacionamentos”.

A pesquisa avaliou questionários respondidos pelos participantes e também exames e registros médicos, prova de que a felicidade também está relacionada à qualidade de vida e saúde.

Conexão

Nenhuma história se escreve sozinha: Allice e Vitor, de Várzea Paulista, provaram isso em 2019.

Em setembro, Allice, de 5 anos, deu uma lição de inclusão social – mesmo sem saber. Ela fez um desenho de sua família e nele, colocou o amigo Vítor, de 4, que tem paralisia cerebral.

Andrea Fazan, mãe do garoto, diz que o filho tem muitos amigos, mas nada como essa amizade. “Quando eles nos convidaram para ir até a casa da família para brincar foi uma verdadeira surpresa. Ninguém nunca nos convidou para uma festa de aniversário”, disse.

A relação dos dois emociona. Allice adapta as brincadeiras para que Vitor possa participar; ele acompanha a amiga com os olhos e grita quando a felicidade é incontrolável. Vitor também faz da amizade, motivação. Nas sessões de fisioterapia, o desenho tem um lugar guardado e serve de combustível para a conclusão dos exercícios.

Allice e Vitor são melhores amigos. (Foto: Arquivo pessoal)

Atenção ao outro

Robert Waldinger reforça que a conexão e qualidade das relações também não se anula quando o assunto é o mercado de trabalho. “Não se trata de passar mais tempo no trabalho, mas de prestar mais atenção no outro, para se conectar mais com as pessoas, em vez de dar como certo que o outro estará sempre ali”, explica.

Patrícia Toledo, profissional de estética de Jarinu, não leu a pesquisa de Harvard. Mas soube disso quando, atentamente, olhou com mais carinho a mulheres vítimas de câncer e decidiu, através de seu trabalho, levar mais autoconfiança, autoestima e empoderamento a elas. 

Patrícia se dedica ao projeto há dois anos. (Foto: Larissa Knupp/Tribuna de Jundiaí)

Ela abre o salão em que trabalha nos dias de folga e gratuitamente reconstrói aréolas e reproduz sobrancelhas através da técnica de micropigmentação, uma espécie de tatuagem.

“Eu faço o que eu amo. É muito bom ver a cliente levantar da maca com os olhos brilhando e se sentindo uma outra mulher. Parece que a vida está de volta”.

Apoio

Às vezes, essa união vem do apoio: das palavras de incentivo, dos pequenos esforços do dia a dia, de um abraço.

A história de Luis Gustavo Loschi, de 22 anos, contada em janeiro de 2019, mostra isso. Em poucos dias, o ex-soldado do Exército Brasileiro perdeu os movimentos dos braços e pernas, acometido pela Síndrome de Guillain Barré. Antes ativo, ele passou a viver seus dias em uma cadeira de rodas.

“Meu pai teve que largar o emprego para ajudar a minha mãe a me carregar. Para ir ao médico eu precisava dos meus pais, pois não conseguia chegar até o carro sozinho e ainda precisei deles para todas as tarefas diárias, desde higiene até ser alimentado”, explica.

Jovem de Jundiaí superou síndrome rara que paralisa movimentos do corpo (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a ajuda da família e dos amigos, ele não só teve assistência durante o período que perdeu a mobilidade, mas também apoio para dar a volta por cima. Com sessões de fisioterapia e incentivo dos que estavam a sua volta, 2019 foi um ano de superação. Hoje, ele já caminha e dirige. “Sinto que a vitória já chegou!”.

Assim também aconteceu com Juliano Augusto da Costa Rodrigues Peinado.

Com paralisia cerebral, ele contrariou a sentença de vida vegetativa dada pelos médicos no seu nascimento e, aos 22 anos, se formou em Rádio, TV e Internet pelo Centro Universitário Campo Limpo Paulista, no início de 2019.

Ovacionado pelos colegas e prestigiado pelos pais, ele deu alguns passos até um de seus professores que o aguardava com o canudo em mãos.

“Imagine uma família que recebeu um diagnóstico no nascimento do filho de que se ele sobrevivesse, ficaria apenas ligado a aparelhos, vegetando. Então você percebe que por trás de toda a deficiência que te mostravam tinha um ser humano incrível, batalhador, amoroso, divertidíssimo e, acima de tudo, apaixonado pela vida”, disse a mãe.

“Passou um filme em nossa cabeça de todo o seu percurso escolar, de todas as dificuldades, mas também de todos os profissionais e colegas que o acolheram, ajudaram e o incentivaram a seguir em frente”.

Mesmo na solidão

“Não se trata de ser feliz em todos os momentos, porque isso é impossível, e todos nós temos dias, semanas ou anos difíceis”, defendeu o diretor do estudo, Robert Waldinger.

Entre os belos acasos da vida, as exceções. Jessé Estrela, de 23 anos, foi um deles.

A ausência dos pais durante a adolescência e a presença constante das drogas e crime o levaram a ser detido aos 16 anos. Na Fundação Casa, lugar em que passou 8 meses, ele repensou sobre a vida. “Comecei a pensar e refletir quem eu era e quem eu poderia me tornar. Fazendo essa análise, eu procurei ter um foco, de não desistir nas primeiras dificuldades”, relembra.

De volta às ruas, sem saber nem ler e nem escrever, conseguiu um emprego. Como ajudante de mecânico e salário de R$ 600, ele concluiu o Ensino Médio em um curso supletivo e encontrou um lugar para morar. Morando sozinho, Jessé diz que muitas vezes passava fome.

Na solidão, ele percebeu o quanto as relações são importantes. E na esperança de ajudar mais jovens que como ele se perderam ainda na adolescência, hoje, é conselheiro tutelar de Várzea Paulista.

“Eu fiz um tecnológico em Gestão de Políticas Públicas, que me garantiu um estágio na Câmara Municipal. e posteriormente um cargo público. Depois disso fiz um intercâmbio no Peru e as coisas foram acontecendo. Agora também estudo Direito”, disse o conselheiro.

“Pelo fato de ter passado pela Fundação Casa, sempre tive desejo de trabalhar com crianças e adolescentes. Me candidatei e foi um desafio, não pensei nem que seria bem votado. Quero lutar pelos direitos das crianças e do adolescente, especialmente os menores infratores. Eu acredito na recuperação deles, eles podem sair dessa, assim como eu saí”.

Jessé Estrela visitou Fundação Casa para contar sobre sua história. (Foto: Letícia Rodrigues/Tribuna de Jundiaí)

Recomeço

“Ano novo, vida nova”. Mais uma oportunidade de fazer diferente.

Elber Junior, de 42 anos, e Elisângela Veronez, de 32 anos, não esperaram pelo dia 1º de janeiro para começarem uma nova vida.

Usuários de drogas e em situação de rua, o casal se conheceu na Casa de Passagem SOS de Jundiaí, que auxilia pessoas em vulnerabilidade a se reestruturarem. Juntos, eles decidiram que era hora de recomeçar.

“É na dificuldade que você cria coragem, é no sofrimento que você cresce. E é sempre legal o recomeço, ninguém quer ficar nessa aí. Quero pensar que é o recomeço, que é a última vez que fico na rua”, explicou Elber.

Com a ajuda da SOS e das pessoas que doaram para a entidade, o casal conseguiu móveis, utensílios e eletrodomésticos usados, a fim de mobiliar sua nova moradia e ter suporte para sua nova vida.

“Agora é começar a sonhar, fazer projetos e planos. Mesmo sabendo da dificuldade, a gente cria esperanças”.

Com a ajuda de amigos e parceiros, eles mobiliaram a casa. (Foto: Reprodução/Facebook e Tribuna de Jundiaí)

Felicidade bem ao lado

Olhe atentamente: 2019 foi um ano de partilha.

Família, amigos, companheiros, instituições, colegas de trabalho: em meio aos conflitos, houve quem aplaudisse suas conquistas e o impulsionasse para novos desafios.

Para Waldinger, investir em um relacionamento significa estar presente. Que assim seja! 2020 é, desde agora, um querido e tão esperado presente.