A dieta do brasileiro está monótona. Um estudo realizado pelo professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Walter Belik mostrou que apenas dez produtos concentram quase metade do consumo alimentar no País. Juntos: arroz, feijão, pão francês, carne bovina, frango, banana, leite, refrigerantes, cervejas e açúcar cristal compõe mais de 45% do cardápio do brasileiro, enquanto representam cerca de 35% do seu gasto em alimentação.
Muito carboidrato e pouca variedade de vitaminas. Para se ter uma ideia, as despesas mensais dos brasileiros com o pão francês (cerca de R$ 1,2 bilhão) são quase o dobro do valor gasto com banana (R$ 410 mi), laranja (R$ 163 mi) e maçã (R$ 162 mi) juntos. O pão de sal – como também é conhecido em algumas regiões – supera ainda em despesas o arroz (R$ 821 mi) e o feijão (R$ 408 mi). O prato mais tradicional do País também perde em gastos para os refrigerantes (R$ 831 mi) e as cervejas (R$ 693 mi). Os alimentos campeões em despesas são as carnes bovina (R$ 2,8 bi) e de frango (R$ 1,7 bi).
Realizado em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), e apoiado pelo Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade, o estudo mostra também que os legumes e verduras compõem apenas cerca de 4% do consumo alimentar, mesma porcentagem das frutas.
“A manutenção do arroz, como carboidrato, e do feijão, como proteína vegetal, é algo já esperado para o cardápio do brasileiro. Mas o que chama a atenção é a prevalência da cerveja, dos refrigerantes e do açúcar cristal. São itens que, numa alimentação equilibrada, devem ser consumidos apenas esporadicamente”, comenta Mariana Staut Zukeran, nutricionista do Hospital Israelita Albert Einstein.
A especialista aponta também para o fato de apenas uma espécie de fruta, e nenhum legume ou verdura, estar na lista dos alimentos mais consumidos: “Não tem diversidade de vegetais, faltam legumes, variedade de frutas, e alimentos ricos em fibra”, acrescenta.
Industrializados ganham espaço nas mesas
O estudo mostrou também que, nas últimas décadas, houve um grande crescimento dos produtos industrializados, em detrimento dos naturais. Enquanto o consumo de alimentos in natura caiu 7% entre 2002 e 2018, os processados e ultraprocessados subiram 18% e 46%, respectivamente. Já a compra de refeições prontas, como lasanhas e pizzas congeladas, subiu 250%, ao mesmo tempo em que diminuiu o consumo de ingredientes culinários.
Mesmo os alimentos naturais de maior relevância na dieta do brasileiro, como o arroz, o feijão e o leite, tiveram queda de 40% no consumo, em média, durante o período analisado. O pão de sal, por sua vez, teve aumento de 23%. Para os autores do estudo, a mudança de hábito alimentar tem sido causada por fatores como falta de tempo, preço atrativo e exposição à propaganda.
A publicação acrescenta ainda que o desequilíbrio na alimentação é um problema que vai muito além da renda: o brasileiro está comento mal em todas as classes. Um exemplo é crescimento do consumo de ultraprocessados, muito mais relevante nas classes mais altas. Enquanto esses alimentos compõem 1,7% da cesta de quem recebe até dois salários mínimos, entre os que ganham mais de 25 salários, a proporção é de quase 6%.
“Quando consumimos mais alimentos ultraprocesssados, e reduzimos aqueles alimentos naturais ou também descritos como ‘alimentos de verdade’, como vegetais, temos um maior risco do desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e hipertensão. Precisamos orientar as pessoas que a alimentação saudável não precisa ser cara. Além disso, existem soluções, como substituir a compra do refrigerante por consumo de água para hidratação; estimular a compra de verduras, legumes e frutas da época que são mais baratas, por exemplo”, analisa Staut Zukeran.
Monocultura e pecuária dificultam diversidade
O estudo afirma ainda que o potencial de diversidade de culturas, proporcionado pelo amplo território e diferenças climáticas no Brasil, tem sido subaproveitada em termos de ofertas para o consumo. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa identificou que apenas 36 espécies de frutas ocupam uma área de cultivo de 1,7 milhão de hectares. Duas frutas são responsáveis por quase metade dessa produção: laranja (29,7%) e banana (18,2%).
“A monocultura interfere, de certa forma, em como o alimento chega para a população. Para os grandes centros, os alimentos ainda chegam, porque há uma população que demanda. Agora, nas regiões mais afastadas, essas populações não têm tanto acesso, porque não existe esse interesse econômico. E a falta de diversidade de produção local as prejudica, porque elas não conseguem acessar alimentos de maior variedade”, explica o autor do estudo, Walter Belik.
Outro ponto levantado pelo documento é o consumo exacerbado de carne pelos brasileiros. Segundo o coordenador de Geoprocessamento do Imaflora, Vinicius Guidotti, a vasta área exigida para a produção da pecuária é um dos grandes empecilhos para a diversidade de cultivo nas regiões: “A compra excessiva de carne acaba envolvendo essa engrenagem. A pecuária ocupa quase três vezes maior que a agricultura, que, por sua vez, mesmo num espaço mais reduzido, ainda é responsável por oferecer um maior número de proteína e energia à população”, afirma.
Por isso, Guidotti reforça que o consumidor tem um importante papel para uma mudança desse cenário: “Ao substituir proteínas da carne para outras de origem vegetal, você priorizará a produção agrícola. Não quer dizer que todos precisam virar vegetariano, mas, ao balancear a alimentação, você também ajuda a diversificar a nossa produção”, completa.
Texto por Frederico Cursino, da Agência Einstein.