A Organização Mundial da Saúde declarou, na segunda-feira (25), que interrompeu os estudos envolvendo a cloroquina e a hidroxicloroquina como possível tratamento em pacientes com Covid-19.
A decisão, que vale para a iniciativa Solidariedade, da própria OMS, foi incentivada por estudo publicado na sexta-feira (22), na revista médica e científica “The Lancet”, que analisou os efeitos destes medicamentos sozinhos ou combinados em um grupo de mais de 96 mil pacientes de 671 hospitais, divididos em seis continentes.
Todos foram hospitalizados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020, morreram ou tiveram alta médica até 21 de abril e tinham idade média de 53,8 anos. 46,3% dos pacientes eram mulheres.
Fatores como raça, índice de massa corporal e outras condições associadas (doenças cardíacas, diabetes, e doenças pulmonares) foram excluídas pelos cientistas.
Análise
Risco de morte
Dos 96.032, 14.888 receberam as drogas analisadas.
Destes, 1.868 foram tratados apenas com hidroxicloroquina (chamaremos de Grupo A), 3.016 apenas com cloroquina (Grupo B), 3.783 com cloroquina e antibiótico (Grupo C) e 6.221 receberam hidroxicloroquina com antibiótico (Grupo D).
Outras 81.144 pessoas, todas infectadas, não receberam nenhum desses tratamentos. Esse é o grupo de controle.
No grupo de controle, 1 em cada 11 internados morreu, uma taxa de 9,3%.
Nos grupos tratados com uma das quatro possíveis drogas, foi verificado um maior risco de morte no hospital. Veja:
Grupo A (apenas com hidroxicloroquina): 1 em cada 6 morreu. Taxa de 18%.
Grupo B (apenas com cloroquina): 1 em cada 6 morreu. Taxa de 16%.
Grupo C (cloroquina e antibiótico): 1 em cada 5 morreu. Taxa de 22,2%.
Grupo D (hidroxicloroquina e antibiótico): 1 em cada 4 morreu Taxa de 23,8%.
Arritmia cardíaca
Os pesquisadores também descobriram que pacientes que receberam qualquer um dos quatro tratamentos tiveram mais chances de desenvolver arritmias cardíacas graves.
O maior aumento foi entre o grupo tratado com hidroxicloroquina e antibiótico: 8% ou 502 pessoas em um grupo de 6.221 desenvolveram arritmia cardíaca, em comparação com 0,3% dos pacientes no grupo de controle.
O que diz a OMS e especialistas
O médico Mandeep Mehra, principal autor do estudo e diretor executivo do Centro de Doenças Cardíacas Avançadas do Hospital Brigham and Women, em Boston, nos Estados Unidos, afirmou que este é o primeiro estudo em larga escala a encontrar evidências robustas de que o tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina não beneficia pacientes com coronavírus.
“Em vez disso, nossas descobertas sugerem que [esse tratamento] pode estar associado a um risco aumentado de problemas cardíacos graves e aumento do risco de morte. Ensaios clínicos randomizados são essenciais para confirmar quaisquer danos ou benefícios associados a esses agentes. Enquanto isso, sugerimos que esses medicamentos não devem ser usados como tratamentos para o Covid-19 fora dos ensaios clínicos”, disse.
Frank Ruschitzka, diretor do Centro do Coração do Hospital Universitário de Zurique, coautor do estudo, disse que alguns países ainda recomendam o uso por estarem baseados em um pequeno números de experiências pessoais, que sugerem benefício.
“No entanto, estudos anteriores em pequena escala não conseguiram identificar evidências robustas de um benefício e estudos controlados randomizados maiores ainda não foram concluídos. E, agora, sabemos que a chance de esses medicamentos melhorarem os resultados no tratamento da Covid-19 é bastante baixa”, defendeu, em entrevista divulgada pela CNN.
A Organização Mundial da Saúde, que já não tinha evidências científicas do resultado positivo da hidroxicloroquina, decidiu incluir o remédios nas pesquisas de eficácia em cerca de 400 hospitais ao redor do mundo.
Segundo Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, diante da incerteza, apontada na pesquisa divulgada na “The Lancet”, a opção da OMS foi pela “cautela”.
“Queremos usar o remédio. Mas se for seguro”, disse.
Além da hidroxicloroquina, estão sendo testados tratamentos como remdesivir, lopinavir e ritonavir.
O que diz o Ministério da Saúde
Na quarta-feira passada (20), o Ministério da Saúde autorizou, em novo protocolo, a aplicação da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes em todos os casos, inclusive os com sintomas leves, como método de tratamento contra a Covid-19.
O protocolo ainda sugere a combinação dos dois medicamentos com azitromicina.
Depois da divulgação da pesquisa que envolveu mais de 96 mil pacientes, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, disse que o estudo, que serviu como base para a OMS, não tem uma metodologia “aceitável para servir de referência”.
“O estudo [da Lancet] não é um ensaio clínico, é apenas um banco de dados coletado de vários países. Não entra em um estudo metodologicamente aceitável para servir de referência para outros países muito menos para o Brasil”, disse.
Segundo Pinheiro, a pasta acompanha 216 protocolos de uso da cloroquina no tratamento da doença em países como Estados Unidos, Turquia e Índia. Ainda acrescentou que os técnicos do Ministério estão “tranquilos e serenos” quanto à orientação que dá autonomia aos médicos para receitarem o tratamento a pacientes “que assim desejarem”.
Na última quarta-feira (20), após a decisão do governo brasileiro e antes da publicação do estudo, a OMS afirmou que “nesse momento, a cloroquina e a hidroxicloroquina não foram identificadas como eficazes para o tratamento da covid-19”, mas que “cada nação é soberana” para “aconselhar seus cidadãos sobre qualquer tipo de medicamento”.
Na sexta-feira (22), em momento anterior à publicação da revista, a OMS acrescentou: “Observamos que o governo brasileiro aprovou o uso mais amplo da hidroxicloroquina, mas apontamos que os estudos atuais conduzidos pela Opas [Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS nas Américas] com base em evidências clínicas não sustentam o uso da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19”.
Segundo a instituição, a América do Sul é o novo epicentro da doença no mundo, com destaque para o Brasil – que já ocupa o 2º lugar em número de casos, atrás apenas dos Estados Unidos.
O uso do medicamento é defendido pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), e foi a principal divergência entre o líder do Planalto e o ex-ministros da Saúde Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta.
Atualmente, o Ministério da Sáude é comendado pelo general Eduardo Pazuello, que assumiu interinamente.
Com informações do UOL, G1, CNN e The Lancet.