Setembro chegou e vai se despedindo, com centenas de campanhas em prol do movimento Setembro Amarelo, de prevenção do suicídio, em todo o país. No entanto, é importantíssimo lembrar e falar sobre depressão e saúde mental em todos os dias do ano.
Hoje, o Tribuna de Jundiaí compartilha a história da Rafaela, que tem apenas 23 anos de idade, mas passou por muitos momentos difíceis, desde muito jovem. Sua trajetória reflete a importância da participação da família e ressalta que atenção profissional é necessária.
Desde a infância
Rafaela conta que era uma criança “isolada”, e não teve participação integral dos pais se não fosse para cuidados básicos. Levou um tempo para que ela entendesse o relacionamento entre a família.
“Era assim que eles demonstravam o amor deles – na verdade, foi assim que os pais deles também eram”, explica Rafaela.
“Eu sempre senti falta do olhar deles e hoje entendo que a depressão que me acompanhou desde muito jovem, teve como uma das razões esse relacionamento com os meus pais.”
Durante o crescimento, a agora atenção excessiva dos pais fizeram com que Rafaela fosse uma adolescente mais rebelde. Isso porquê seu modo de se expressar não correspondia com a “expectativa” dos pais, que não disfarçavam os olhares de reprovação. “Eu queria ter meu jeito ‘diferente’ e queria expressá-lo pro mundo , obviamente de uma maneira inadequada”, relata.
Perda da ‘segunda mãe’
O estado depressivo da jovem piorou com a perda de sua tia, que tirou a própria vida quando Rafaela tinha apenas 13 anos de idade. Sua vida, que já não era fácil, ficou mais pesada de viver após a morte da mulher que Rafaela considerava sua “segunda mãe”.
“Havia sempre a narrativa da minha família de que nascemos de barrigas trocadas e eu chamava ela de segunda mãe, tamanha era nossa conexão”, conta.
De acordo com a jovem, sua tia era diagnosticada com bipolaridade. Hoje, Rafaela é formada em psicologia, e entende melhor a situação da saúde mental da tia. “Na minha experiência profissional, vejo que esse diagnóstico poderia ter sido melhor refinado, pois ela também tinha traços borderline”, explica.
Início do tratamento
Após a morte da tia, Rafaela foi submetida à um tratamento com os primeiros profissionais. Passava com uma terapeuta e com uma psiquiatra, mas o processo de entendimento e recuperação não é fácil.
“Eu não conseguia mais prestar atenção nas aulas, ia para a escola forçada e quando chegava em casa, dormia até de noite, acordava pra jantar e voltava a dormir. Eu vivia como um zumbi. As doses da minha medicação só aumentavam e atrelada à depressão, comecei a desenvolver ataques de pânico.”
Os ataques de pânico, segundo Rafaela, podiam estar ligados à falta de conscientização das pessoas ao seu redor. A jovem ouviu críticas que, infelizmente, são comuns, mas nem de longe corretas.
A sensação persistente de tristeza ou perda de interesse em atividades diárias são alguns dos “sintomas” da depressão. Esses sintomas podem levar a uma variedade de outros sintomas físicos e comportamentais. Dessa forma, pessoas com depressão podem ter o sono, o apetite, a energia, concentração ou a autoestima alterados. Além disso, a depressão pode ser associada a pensamentos suicidas.
Tentativa
“As pessoas ao meu redor só sabiam falar que era frescura, preguiça e mais sei lá quantas coisas que só pioravam minha situação. Não lembro bem o que motivava cada um deles, mas lembro que a noite que quase me suicidei, foi motivada por um ataque de pânico. Tomei um excesso de medicamentos e em seguida me arrependi e pedi ajuda pra minha mãe. Fui parar no hospital e do pouco que me lembro daquela noite, é de uma memória específica que consistiu na reação de alguns funcionários do hospital, que fizeram chacota com a minha situação”, explica Rafaela.
“Lembro que aquilo só fez eu me sentir mais envergonhada e arrependida com a minha situação.”
“Na época eu fazia tratamento com psicóloga, psiquiatra e lembro que as doses das minhas medicações eram extremamente altas. A única coisa que diria é que sem ter tido essas duas profissionais na minha vida, você não estaria falando comigo hoje“, contou a jovem.
‘Voltando e reagindo a vida’
Depois dessa terrível experiência, Rafaela voltou para casa com a família. Com o tempo, percebeu uma mudança no olhar dos pais, amigos e todas as pessoas ao seu redor para ela.
Parecia que a tentativa de suicídio de Rafaela e a gravidade de seu quadro depressivo os fizeram abrir os olhos para a importância da conscientização.
“Ajudou a ser levada a sério e pouco a pouco ir voltando e reagindo a vida“, conta. “Não me lembro de uma conversa com meus pais exatamente comigo – não me lembro de muita coisa daquela época, porque foi há muito tempo – mas lembro que minha psiquiatra e minha psicóloga conversaram MUITO com eles. Então vejo que foi uma mudança gradual”.
O Curador Ferido
Rafaela seguiu cuidando de si, contanto agora com o apoio da família, e decidiu que a ajuda e a segunda chance que recebeu precisava ser compartilhada.
Dessa forma, a jovem se formou e hoje é psicóloga. Rafaela se lembra de uma das primeiras aulas na faculdade.
“Na Psicologia Analítica, existe um mito que é a do ‘curador ferido‘, que é a história de um homem que, cheio de feridas, curava as pessoas, mas não a si mesmo. Eu ouvi sobre esse mito no início da minha graduação, quando uma professora falava sobre o porquê cada aluno daquela sala havia escolhido a Psicologia e como cada um tinha dentro da sua história alguma ferida aberta, que buscava ‘curar’ na sua dedicação ao outro.”
Hoje, Rafaela trabalha com inclusão de crianças autistas em ambientes típicos. “Já fazem 6 anos que me formei e essa memória continua na minha história, porque me ajudou a entender como minha história e principalmente, essa minha criança ferida me acompanharam a estar na profissão que estou hoje é querer ajudar outras crianças feridas a também terem uma melhor relação consigo e com o mundo que as envolve.”
Movimento Setembro Amarelo
“É um mês que nos lembra uma pausa necessária: aquela pausa de se importar com um grupo de pessoas que não são ouvidas e que muitas vezes, quando ouvidas, é tarde demais. Então antes que se chegue a esse tarde demais, o Setembro Amarelo nos lembra da importância de se criar estratégias de conscientização, a nível micro e macrossocial, que possam mitigar a falta de escuta a esses seres em sofrimento”, finaliza Rafaela.
No final último dia deste mês tão importante para a Conscientização da Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio, o Tribuna de Jundiaí reforça sua importância para o mundo, para os seus!
O movimento do Setembro Amarelo é muito importante para as ações de conscientização, mas os assuntos saúde mental, depressão e suicídio NÃO SÃO TABU. A discussão é válida 365 dias por ano!
O CVV – Centro de Valorização da Vida promove apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo pelo telefone 188, e-mail e chat 24 horas todos os dias.
Cuide-se ?