Temos que acolher as sensações genuínas, não as que parecem 'certas'
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Opinião

Temos que acolher as sensações genuínas, não as que parecem ‘certas’

Por Raquel Loboda Biondi, jornalista e atualmente assessora legislativa na Câmara de Jundiaí

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Raquel Loboda Biondi
Raquel Loboda Biondi, jornalista e atualmente assessora legislativa na Câmara de Jundiaí (Foto: Divulgação)

Certo dia, recebi uma dessas mensagens encaminhadas pelo WhatsApp que anunciam ‘bom dia’ somente com imagens ensolaradas. E o conteúdo dizia que não importam os abalos que recebemos da vida e sim o que ‘derramamos’ com eles – a metáfora usada era como se fôssemos xícaras e que independentemente de qual fosse o esbarrão que recebêssemos, iríamos derrubar o que tivéssemos dentro, chá ou café, e para além do sentido figurado, a livre associação remetia o nosso interior (e o da xícara) a derrubar mágoas ou alegrias.

Eu, que tenho muito apreço por todo tipo de informação ligada aos comportamentos, à psicologia de alguma forma, e no geral sou bem aberta a consumir esses conteúdos de todas as vias, achei importante questionar de maneira conjunta, portanto nessa coluna, o que já se discute atualmente por profissionais especializados, mas que nós (leigos por assim dizer), poucas vezes paramos para analisar: o excesso de positividade e o perigo de nos restringirmos a ter apenas as sensações que julgam como ‘certas’. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han faz esse apontamento, inclusive, como uma das razões para a exaustão e ansiedade crescentes, em seu livro ‘A sociedade do cansaço’.

Hoje, há muitos conteúdos voltados para o interior de todos nós, com dicas de como conduzir tal comportamento ou tal situação, relacionadas ou não à espiritualidade ou outras fontes de informação não necessariamente acadêmicas. Isso está não somente nas mensagens de WhatsApp, mas no Instagram, no Facebook, em perfis que seguimos. E acredito que seja natural essa oferta diante da busca humana por ‘soluções’, já que os desafios maiores que temos a enfrentar na vida são mesmo internos, embora nem sempre a gente perceba, e é natural também buscas que nos tragam ‘respostas’. Portanto, qualquer forma que traga luz ao olhar interior me parece válida. Porém, acho importante trazer aqui a percepção de que é preciso cuidado, principalmente sobre conteúdos superficiais que desvalorizam o próprio ser humano. Do mesmo modo que há muitos conteúdos ‘fáceis’ de assimilar, que parecem nos traduzir ao nos comparar com objetos aleatórios, há muitos conteúdos profissionais interessantes que nos dizem justamente para sermos criteriosos e respeitosos com a gente mesmo.

O pouco que conheço da psicologia, de frentes da psicanálise – muito por ser uma entusiasta da terapia e ter grande respeito – me traz alguma segurança em dizer que não existem fórmulas e receitas prontas para lidarmos com esses desafios internos e, principalmente, que não é mascarando o que sentimos que teremos alguma futura satisfação ou encaixe social.

Ou seja, se voltarmos ao conto da xícara, e levarmos ao pé da letra, sem nenhum questionamento, podemos entender que não há peso nos fatores externos e que o que ‘derramamos’ ao mundo só depende de nós. Como opinião pessoal, digo que acho isso muito perigoso. Claro que nossa bagagem interior tende a querer se afirmar em padrões usuais e é importante que possamos rever esses padrões para podermos nos abrir a outros meios que não somente os nossos de ver o mundo, o outro, as sutilezas da vida, a essência que de fato preenche, já que nem sempre enxergamos. Porém, não somos seres isolados e muito do que temos moldado dentro de nós é oriundo das condições externas a que fomos inseridos, colocados ou até mesmo retirados um dia.

O que quero dizer é que quando restringimos a razão de nossos comportamentos, sobretudo de mágoas ou alegrias, apenas ao que carregamos sozinhos, tiramos a compreensão do que também é externo e pode sim nos afetar. Isso, em muitos casos, traz uma sobrecarga aos sentimentos que temos como se não existissem sem qualquer provocação externa e o mais grave: cala, anula sensações que, muitas vezes, foram também despertadas por provocações, por agressões, por faltas ou excessos de outros aos quais temos que saber responder de forma sadia.

Nem todos os dias serão ensolarados, nem todas as pessoas ao redor serão sempre ‘legais’ e isso precisa ter um lugar de análise. A autocrítica é muito importante, mas saber onde os outros fatores estão inseridos, entender o lugar deles nesta análise também é fundamental para o autoconhecimento – a velha e sábia máxima “do que é meu e o que é do outro”.

As mágoas ou alegrias podem vir de dentro, mas podem também ser despertadas pelo que está fora. Neste sentido, o excesso de ‘gratidão’ não nos ensina a valorizar limites, medidas, não nos ensina a autodefesa ou o fortalecimento de si mesmo que é tão importante.

A divisão de ‘bem’ e ‘mal’, ‘alegria’ ou ‘mágoa’ me parece mostrar que vivemos em uma sociedade que ainda passa por cima ou despreza as sensações totalmente humanas e compreensíveis, que todo mundo tem por alguma razão, julgadas como ‘erradas’ ou ‘ruins’, como são o caso da raiva, cansaço, nervoso.

O que defendo aqui não é que a gente cultive sensações que não façam bem, mas que a gente saiba que elas existem e são humanas e que dependem de inúmeras razões para serem construídas e desconstruídas. Quando não olhamos para esses sentimentos naturais e possíveis, muitas vezes ligados não somente a nós, mas às relações, ao encontro de bagagens de mais de uma pessoa que podem ser conflituosas, nós cultivamos e damos chance para que se justifique o deboche, a agressividade, a toxicidade, a submissão, afinal, por essa ótica simplista, se ‘levei um esbarrão profundo e derrubei mágoa’ a culpa é só do meu interior. Não.

Relações tóxicas não podem ser aceitas como naturais, elas devem ser corrigidas e isso depende da consciência de todos os envolvidos sobre elas. Todos nós podemos ser invasivos com o outro se não soubermos quem somos, se não nos trouxerem limites e não oferecermos os nossos, se não olharmos para dentro e com o mesmo critério cuidadoso para fora.

Não se trata de apontar o dedo para si ou somente para o outro para entendermos o que tem dentro da xícara. Trata-se de olharmos com carinho e acolhimento para as fases que vivemos, para as nossas relações, para o que despertamos e o que despertam em nós e não negarmos sensações rotuladas como ruins, porque elas também podem ser um termômetro de como podemos continuar a caminhar e de melhores maneiras. Elas nos trazem nossas medidas e as medidas do outro, o que só traz saúde e bem-estar no convívio. Que haja gratidão, que haja amor, mas sem a cegueira sobre os nossos próprios limites. Podemos ter tudo dentro da xícara, vamos aprendendo a dosar.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Tribuna de Jundiaí.

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