O gestor da Unidade de Promoção da Saúde da Prefeitura de Jundiaí, Tiago Texera, 35 anos, é o escolhido do Tribuna de Jundiaí para o “Entrevistão” desta semana.
Jundiaiense “nascido e criado” na cidade, como ele gosta de frisar, esse filho de uma família de operários conduz hoje a pasta mais importante do município. Em meio a uma pandemia que já dizimou mais de 275 mil vidas desde o ano passado – 662 somente em Jundiaí – ele se destaca pela técnica, pelo conhecimento na ponta da língua de todo o sistema de Saúde municipal e por lidar de forma coletiva as estratégias de enfrentamento deste grande mal do mundo moderno.
Não à toa, Jundiaí tem recebido inúmeras premiações pelo trabalho realizado na área. A última delas – Prêmio David Capistrano do 34° Congresso dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP) – conquistada um dia depois desta entrevista.
Jundiaí também anunciou nesta semana a parceria inédita com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, para um estudo com medicamento que previne a internação por Covid19.
Neste bate-papo que durou quase uma hora, Tiago Texera mostra tudo o que Jundiaí tem feito para evitar o colapso do sistema de Saúde – algo que já atingiu cidades muito próximas. Ele fala dos desafios, dos planos para 2021 e até o que faria para conter a pandemia se fosse presidente da República.
Confira:
Tribuna de Jundiaí – Como foi passar de funcionário até chegar a gestor da pasta, hoje a mais importante em qualquer governo?
Tiago Texera – Estou na saúde pública há 17 anos. Sou concursado, tenho experiência acadêmica e profissional, com três pós-graduações na área. Meu primeiro concurso público foi em outra cidade da região, onde também atuei em áreas de gestão. Depois, prestei outro concurso público, dessa vez em Jundiaí, e passei novamente. Já atuei como diretor de regulação, de planejamento, financeiro, gestor-adjunto e agora como gestor. Tive a oportunidade de ganhar experiência em todas essas áreas neste período e aprendi muito, mas ninguém nunca está preparado para uma situação como essa que estamos vivendo. Por isso tenho um time de técnicos de alto nível estratégico, com profissionais brilhantes. As decisões são sempre colegiadas. Sou defensor da saúde pública, do SUS (Sistema Único de Saúde) e vou fazer isso até me aposentar.
Tribuna – O primeiro caso de Covid no Brasil foi registrado dia 26 de fevereiro de 2020 e em Jundiaí ela chegou dia 12 de março. O que passou dentro da unidade de gestão nesses dias que antecederam a confirmação na cidade?
Tiago – Quando soubemos do novo vírus na China, em dezembro do ano passado, nossa única certeza conversando com os especialistas era esperar esse grande nível de contágio. O que ninguém imaginava, naquela época, era qual seria o impacto dele no mundo. Ou seja: esperávamos uma Tsunami, mas não sabíamos qual era o tamanho da onda. E, no Brasil, o impacto foi maior do que no resto do mundo. O que têm nos causado surpresa é que o movimento de segunda onda (da Covid19) está sendo maior e mais agressivo que a nossa pior fase na primeira onda. A velocidade de contágio, agora, já nos fez empatar com o nosso pior dia do pico de pandemia, que aconteceu em julho do ano passado. No dia 7 de julho de 2020, tivemos 247 leitos Covid ocupados na rede pública e privada de Jundiaí. Ontem (dia 9), nós repetimos esse número, que hoje (10) deve ser pior. Naquela época, o movimento crescia de 10% a 30% de uma semana para outra. De 1 a 7 de março deste ano, já cresceu 64% em apenas uma semana. A doença está duas vezes mais veloz que no ano passado! Isso está nos assustando muito, porque corremos o risco de ter os sistemas de Saúde público e privado completamente saturados. O prefeito Luiz Fernando Machado tem feito todos os esforços para ampliar o número de leitos no município, numa velocidade muito maior que a do vírus. Hoje temos 150 leitos Covid no (hospital) São Vicente, sendo que na semana passada eram 82. Criamos quase 70 leitos, isso dá uma ampliação de 84%, em uma semana. Com certeza isso já é reflexo da nova variante (da doença), embora o (instituto) Adolfo Lutz ainda não tenha confirmado os resultados (de casos suspeitos em Jundiaí).
Para 2021, planejamento da Saúde em Jundiaí prevê estudo inédito para combate à Covid (Foto: Arquivo/PMJ)
Tribuna – O modelo adotado por Jundiaí para o combate ao novo coronavírus serviu de exemplo para as demais cidades da região. Isso, de alguma forma, ajudou a não termos uma explosão de casos na região?
Tiago – Sim, não tenho dúvida, pois o ciclo da Covid é muito claro e perverso. Criamos uma cadeia para enfrentar essa transmissão do vírus. Como disse, sou cercado de excelentes técnicos, que têm muito mais experiência que eu em pandemia. É a partir do CEC (Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus) que me apoio na tomada de decisões e, assim, fomos o primeiro município a testar as pessoas diretamente nos bairros, para identificar os casos. Criamos as Unidades Sentinelas para evitar a contaminação cruzada, que é a propagação do vírus de pacientes com Covid para outros pacientes (que têm contato nas unidades de Saúde). Criamos também a Central de Monitoramento, que faz contato diariamente com as pessoas contaminadas para saber como elas estão, como estão as outras pessoas da família. Tivemos uma ampla estratégia de criar leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em leitos Covid, exclusivamente para tratamento da doença. Desta forma, também apoiamos tecnicamente a região com essas medidas para criação de leitos de enfermaria e de Covid. Itupeva, Louveira e Campo Limpo Paulista fizeram isso, tudo dentro de um Plano Regional de Enfrentamento que tem à frente o prefeito Luiz Fernando Machado, como presidente da Aglomeração Urbana de Jundiaí. Por isso a nossa região ainda não saturou.
“De 1 a 7 de março deste ano, já cresceu 64% em apenas uma semana. A doença está duas vezes mais veloz que no ano passado! Isso está nos assustando muito, porque corremos o risco de ter os sistemas de Saúde público e privado completamente saturados”.
Tribuna – Se você fosse o presidente da República, o que teria feito para conter a pandemia no Brasil?
Tiago – O primeiro passo, obviamente, seria trilhar o mesmo caminho que adotamos em Jundiaí. Chamaria os melhores técnicos que o País tem, acreditando na ciência para traçar um Plano Nacional de Enfrentamento da Pandemia. É o que qualquer líder deveria fazer numa situação dessa. Nós, brasileiros, tivemos tempo de aprender antes com o mundo para agir em relação ao vírus. Mas faltou um comando único, uma coordenação nacional para conter a pandemia no Brasil. As iniquidades deveriam ser diminuídas, pois é preciso investir mais onde se tem menos e não deixar só os municípios e Estados tocando isso. Não dá para comparar o sistema de Saúde de São Paulo com o do Amazonas, por exemplo. Infelizmente, faltou isso no Brasil. Fora isso, ainda são necessárias políticas econômicas e de ações práticas para diminuir a transmissão (do vírus).
Gestor está há 17 anos na área e já passou por todas as funções administrativas e de gestão (Foto: Arquivo/PMJ)
Tribuna – Você tem recebido muitos elogios pela postura e por usar frases de impacto, como aquela de “contar caixões no Parque da Uva”, para chamar a atenção de quem ainda duvida da força da Covid… como você lida com isso, já que está numa posição de extrema visibilidade?
Tiago – Todas as decisões que tomei até agora com o meu time são para trazer o menor impacto para a comunidade e o maior para o combate à Covid. Tudo é feito com base na ciência e na técnica. A Austrália, por exemplo, fez lockdown por 15 dias e deixou todo mundo em casa. Isso diminuiu 90% a transmissão do vírus, está comprovado. Aqui existem críticas, até porque as decisões não vão agradar a todos, mas sempre serão pensando na preservação de vidas. Este é, sem dúvida, o maior desafio da minha vida!
Tribuna – Próximos planos de Jundiaí para o combate ao novo coronavírus
Tiago – Infelizmente tivemos vidas ceifadas, mas nunca por falta de atendimento. Estamos há um ano enfrentando a pandemia e só existe uma salvação, que é a vacina. Já nos prontificamos a comprar as doses o que, pessoalmente, entendo que não deveria ser missão dos municípios. Essa é uma obrigação do Governo Federal, que deveria adquiri-las e distribui-las para todos. Da nossa parte, estamos abertos à boa ciência e já nos oferecemos para que Jundiaí seja um campo de ciência de ponta contra a Covid. Queremos encabeçar tudo o que surgir de novo, seja em medicamentos, vacinas, manejo clínico… nossa taxa de letalidade era de 4% e hoje ela caiu para 2,4%, que está inclusive abaixo da taxa de São Paulo. Fomos aprendendo com tudo isso, procurando parcerias com institutos e órgãos de ponta. Nossa cidade vai entrar num novo conceito de polo de pesquisa nacional, com novidades tecnológicas para boas práticas contra a Covid. Isso é mais do que motivo de orgulho para todos os jundiaienses! Nossa meta em 2021 é vacinar 100% da população elegível do município, ou seja, descontando os menores de 18 anos que ainda não podem tomar a vacina (as doses não foram testadas nesta faixa nesses grupos).
“Aqui existem críticas, até porque as decisões não vão agradar a todos, mas sempre serão pensando na preservação de vidas. Este é, sem dúvida, o maior desafio da minha vida!”
Tribuna – Para finalizar, um Raio-X sobre quem é Tiago Texera
Tiago – Sou jundiaiense, nascido e criado em Jundiaí. Sou filho de operário, tenho dois irmãos, me formei em Administração de Empresas e Administração Pública e tenho três pós-graduações na área da Saúde. Sou casado, pai de dois filhos – um de 7 anos e outro de 5 anos. Comecei a trabalhar com Saúde aos 18 anos, prestei dois concursos públicos, passei por diversas funções no serviço público, administrativas e de gestão. Busco crescer pessoalmente e profissionalmente, além de ser um grande defensor e entusiasta do SUS, que é a maior política social do mundo.