Pessoas resgatadas de situação de escravidão no RS
Foto: Canal Rural

A sociedade civil organizada, a imprensa, as mídias sociais, os justiceiros de plantão e os evidentemente conflitados são rápidos em indicar os culpados pela desgraça de dezenas de humanos escravizados em uma fazenda de uva no sul do Brasil. Apontam o dedo apenas para as empresas formalizadas, claro que não podem ser isentadas pela agressão e tem que sofrer as penas previstas. Os gestores das vinícolas que estão na ponta da cadeia produtiva são carentes de humanismos e de racionalidade empresarial para fazer valer princípios de humanidades que obviamente guiam as empresas modernas, as quais não podem e não devem explorar as condições de vulnerabilidades, principalmente socioeconômica dos empregados.

A particularidade mais brasileira dessa crise é a presunção irresponsável e irracional de quem são os verdadeiros culpados. Não temos paciência para aguardar as apurações e o julgamento popular ganha propulsão nos esgotos das redes sociais e todos são juízes para julgar conforme seus próprios códigos. Na época da escravidão todos tinham ocupações e sem direitos, esse modelo de relação de trabalho é a raiz de todos os tipos de misérias nesse território, inclusive do vírus que ainda contagia alguns empregadores.

Durante o longo período de exploração de mão de obra gratuita no Brasil, observo que o dedo acusador está sempre apontado para o homem branco europeu, principalmente português, obviamente o mais beneficiado foi esse explorador, entretanto na cadeia produtiva desse negócio sujo, se for realmente estabelecer uma compensação pelo menos financeira, até o “sagrado” será obrigado a entregar boa parte de suas riquezas para o povo. O escritor Laurentino Gomes em sua trilogia sobre essa desgraça humana mostra que a “ordem mundial” estabelecida na época, como o grande responsável. Nesse ordenamento bruto havia imperialistas europeus, executivos do clero e a elite africana que organizava o inicio do processo e também tinha seus benefícios.

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A escravidão está presente nos indicadores sociais até hoje. Há um abismo entre números referentes ao Brasil branco e o Brasil negro, além do racismo, que é como uma ferida que nunca cicatriza. As pressões sociais internas e externas têm provocado avanços positivos nas relações de trabalho. O marco é a Lei Áurea que aboliu a escravidão apesar das resistências das elites as conquistas dos trabalhadores são notáveis até com estruturas representativas atuantes. Recentemente o “Parlamento” contaminado pelo vírus da exploração humana fez alguns arranjos, com o pseudônimo de reformas com um apelo de aumento da competitividade e na realidade abriu frestas para empresários aproveitadores abusar da desgraça alheia.

O capital humano é de fato o grande responsável pelo desenvolvimento e pelo constante aumento da produtividade, porem no Brasil ainda é acusado de ser o “gargalo” para as empresas. A redução das margens de lucros nunca é problema de ineficiência tecnologia, da ausência de capacidade gerencial ou alinhamento empresarial. Todo contratempo lança os trabalhadores na arena com os lobos enquanto negociam com seus representantes no parlamento a legalização do horror. As indústrias de vinho vão indenizar os trabalhadores com uma pequena multa, o que pode ser o passaporte para sustentar a prática nesse vinculo, pois os parlamentares não criaram instrumentos severos de punição. A lei 13.429/17, que dispõe sobre a terceirização de atividade-fim, foi aprovada no parlamento e sancionada pelo presidente Temer, apesar da empolgação de alguns empresários, não houve aumento de competitividade e nem de margens de lucro. O que alavancou foi a precarização do trabalho o que sustenta a tese de que estamos rumo a um sistema de organização social da produção atrasado e desumano.

“Se o Comunismo acabar, quem é que vai levar a culpa”? Jô Soares, escritor.

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Everton Araújo é brasileiro, economista e professor.