
Era uma noite de sábado muito fria no Centro de Jundiaí , 9 de Julho de 1932 , jovens se divertindo na quermesse do Mosteiro São Bento, outros reunidos na Padaria “À Paulicéia” para um bate papo regado a café , conhaque e Vermuth para espantar a temperatura baixa, outros flertando em frente à Catedral Nossa Senhora do Desterro no vai e vem do tradicional footing , mas algo acontece e mexe de vez com a calma da bucólica Jundiaí dos anos 1930!
No rádio, explodia a notícia de que uma revolução em São Paulo havia sido deflagrada. O estopim foi um confronto com as tropas do governo, dia 23 de maio daquele ano, que terminou com a morte de quatro estudantes paulistas: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Um outro, Alvarenga, tinha sido ferido gravemente e morreu meses depois.
Das iniciais dos nomes desses rapazes surgiu a sigla do Movimento MMDC – passou a ser MMDCA, a partir de 2004 – que transformou-se no símbolo da revolução de 1932.

Para entender melhor o conflito, precisamos voltar um pouco no tempo. Logo após a Revolução de 1930, golpe de Estado que levou Getúlio Vargas ao poder, ele nomeou interventores para os Estados. A insatisfação com o governo provisório de Vargas, no entanto, era grande – principalmente entre o povo de São Paulo.
Insatisfação
Os paulistas esperavam a promessa feita pelo governo de que novas eleições seriam feitas, mas o tempo foi passando e nada da convocação para o pleito. Os fazendeiros de São Paulo encabeçavam as manifestações contrárias ao governo provisório, que teve maciça participação de estudantes universitários, comerciários e profissionais liberais.
Entre as exigências estavam uma nova Constituição, a convocação de eleições para presidente e a mudança do interventor nomeado. As críticas também faziam referência à maneira autoritária com que Vargas vinha conduzindo a política do país: era preciso mais liberdade e participação popular.
A imprensa, nessa época, noticiava um grande levante: “AO POVO DE JUNDIAHY – São Paulo à frente dos destinos da Pátria acaba de lançar seu grito de liberdade pela constitucionalização imediata do País , rompendo com a ditadura que nos vilipendia . Jundiaienses! Ficai atentos ao chamado do nosso querido Estado de São Paulo, ele poderá necessitar do vosso concurso. Dai-o se preciso for. Alistai-vos na milícia cívica! Por São Paulo! Por Jundiahy!”
Reunião na Paulicéa
A ideia do movimento constitucionalista tomou conta da cidade e de todo o interior. Numa segunda-feira, dia 11 de julho, o médico Antenor Soares Gandra marcou uma reunião na “A Paulicéa”, que ficava na rua Barão de Jundiaí, e centenas de jovens fizeram questão de comparecer.
Gandra argumentou, alertou e convenceu os jundiaienses da importância de participar na luta pelo ideal democrático e constitucional, o que foi prontamente atendido por muitos dos jovens. Durante a semana, houve uma intensa propaganda e preparação para os que buscavam os postos de alistamento.

Num domingo, dia 17, por volta das 10h uma multidão se concentrou no Largo São Bento – hoje denominada Praça Tibúrcio Estevam de Siqueira. Além dos soldados alistados, estavam ali pais, filhos, irmãos, avós tios e amigos para a despedida (que poderia, infelizmente, ser a última).
Numa emocionante solenidade, os soldados perfilados marcharam por toda rua Barão de Jundiaí (sentido Vila Arens) até chegar na estação ferroviária da antiga São Paulo Railway. De lá, eles seguiram de trem para a capital paulista. Durante todo trajeto até a estação, moradores emocionados se aglomeravam nas janelas, portões e calçadas: “Viva, Jundiaí! Viva, São Paulo! Deus os acompanhem! Viva a Democracia! Obrigado, bravos jovens!” eram as frases mais ouvidas neste percurso pelos combatentes.
Batalhão
Toda a comoção da primeira caravana aguçou o sentimento constitucionalista e democrático em outros jundiaienses, que se inscreveram e foram às armas para combater a ditadura Vargas. No dia 23 de julho, um novo contingente fez o mesmo trajeto rumo a São Paulo. Ao se juntarem ao primeiro grupo, estava formado o 1º Batalhão de Reservas do Exército.
Às pressas, todos foram treinados , preparados e instruídos para a batalha por um Brasil melhor e livre.
Hino e mulheres guerreiras

Uma das homenagens a este momento marcante da história de São Paulo e do Brasil foi imortalizada no hino de Jundiaí. Haidée Dumangin Mojola, carinhosamente chamada de “Dedé”, compôs naquele ano mesmo a marcha que, 28 anos mais tarde, viria se tornar o nosso hino – oficializado pela lei 869, de 17 de novembro de 1960.
Esse trecho retrata bem aquele momento:
“Terra gentil, altruísta,
De ti me orgulho,
Pois és bem paulista!
Teus filhos com devoção
Marcham pr´a luta como heróis
Cheios de fé em sua oração”
As mulheres de Jundiaí, aliás, tiveram uma participação efetiva na revolução. Não foram à guerra, mas foram fundamentais para a confecção das fardas, montagem dos materiais de primeiros socorros e também na ajuda para organizar o movimento “Ouro para São Paulo”: a população trocava as alianças e outras joias de ouro por anéis e alianças de prata, com os dizeres : “Doei ouro para São Paulo”.
Há registros, também, que a praça da Catedral Nossa Senhora do Desterro ficou cheia de doações de ferro velho, que serviram para produção dos capacetes de aço usados pelos soldados.
Apoio, confrontos e mortes
A solidariedade efetiva e adesão automática das elites políticas de Minas Gerais e Rio Grande do Sul não se concretizaram e São Paulo lutou apenas ao lado de Mato Grosso contra os outros Estados – articulados pelos chamados “Getulistas”. A situação obrigou São Paulo a organizar uma defensiva nas fronteiras.

O conflito terminou dia 2 de outubro de 1932, com a rendição do Exército Constitucionalista. Foram 87 dias de combates e um saldo oficial de 934 mortos. Outras fontes de pesquisa, contudo, apontam que teria havido o dobro disso de óbitos – principalmente porque, além do confronto propriamente dito, inúmeras cidades paulistas sofreram ataques por terra e pelo ar.
De Jundiaí, no combate, apenas um homem foi morto: a do soldado Jorge Zolner.
Bombardeio em Jundiaí
Jundiaí não ficou fora dos bombardeios , segundo relatos do saudoso Orlando Negri, que tinha 14 anos quando a revolução foi iniciada. Ele contava que o barulho dos motores dos aviões chamava a atenção da população: todo mundo saía de casa para ver os “Vermelhinhos”, como eram chamadas as aeronaves Boeing F-4B4 da ditadura Vargas.
No dia 16 de Setembro de 1932, ainda conforme relato de Negri, uma chácara na Ponte São João foi atingida pelos bombardeios e deixou uma cratera enorme. O local, hoje, é onde está a Escola Estadual Professora Ana Pinto Duarte Paes, na rua Carlos Gomes.

Outro relato dava conta de que um garoto, morador nas imediações, teria se ferido meses depois dos confrontos ao manusear um artefato que não havia sido detonado. Cidades como São Paulo, Santos (mais especificamente no porto) e a vizinha Campinas sofreram bombardeios. Na última, inclusive, o ataque atingiu a estação ferroviária e causou a morte do escoteiro Aldo Chioratto, de 9 anos.
Na urna dele, havia uma inscrição: “Inocência, coragem e civismo aqui repousam”. O menino é também a única criança homenageada no Obelisco Mausoléu aos Heróis da Revolução Constitucionalista de 32, monumento localizado no Ibirapuera, em São Paulo, que abriga os restos mortais dos combatentes do levante paulista contra o governo provisório de Getúlio Vargas.
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Poucos sabem, mas Alberto Santos Dumont, o pai da aviação, suicidou-se em plena Revolução de 1932. Segundo relato de amigos e parentes, ele já estava deprimido e não suportou ver que o invento construído para ajudar o homem estava matando compatriotas.
Histórias e memórias

Por sempre gostar de ouvir as histórias dos que nasceram antes de mim, tive a honra de conhecer alguns dos nossos heróis da Revolução de 1932.
Pedro de Oliveira, meu tio-avô, combateu em Itapetininga – à época, um importante posto de resistência. Fui presenteado por Hugo Anaruma, em 1992, com muitos dias de conversa, bom humor e uma narrativa incrível. Ele se tornou um amigo e resolveu me dar uma medalha que recebeu por bravura, em 1932. Recusei, num primeiro momento, por entender que aquilo era muito importante para ele. Hugo retrucou dizendo que “estaria em boas mãos” e que era “de coração”, por isso cedi.
Guardo-a com honra e carinho, mas o melhor presente foi mesmo o convívio com ele durante dois anos. Centenas de horas ouvindo as experiências vividas no maior movimento cívico de nossa história. Tive outras prosas ricas e bem detalhadas com o José Augusto Pupo, que deixou para a história um livro sobre as experiências na revolta.
Além deles, o tenente Armênio Almeida Souza e outros lutaram muito para a preservação dessa bela história, pro meio da Associação dos Ex-Combatentes de 1932 – que angariou fundos para a construção do Obelisco em homenagem aos heróis, construído em frente ao Parque da Uva e demolido na reestruturação do Parque Comendador Antônio Carbonari, em 2004.

A estátua de bronze foi para o Museu Solar do Barão, depois para o canteiro central da avenida 9 de Julho e hoje está na praça Monsenhor Doutor Arthur Ricci – Espaço Cívico MMDC/Heróis do Trem Blindado. Há, também, o viaduto na avenida Itatiba, construído com recursos próprios na gestão do prefeito professor Pedro Fávaro e que recebeu o nome do General Euclydes de Oliveira Figueiredo – um dos líderes paulistas no conflito e pai do último presidente militar (General João Batista Figueiredo).
Aos combatentes

Dentre tantos outros jundiaienses que combateram, destaco ainda: Nicodemo Petrone; João Castilho de Andrade; Adoniro Ladeira; Antenor Soares Gandra; Mário Leandro Luiz de Faria, avô do amigo Márcio Cozatti; José Seckler Machado; Hugo Anaruma; José de Godoy Ferraz; Quinque Fortarel; Sandro Vendramini; Lindolfo Paixão; Nelson Maselli; Armênio Almeida Souza; Haroldo Moraes; José Barreto; Adolpho Guimarães; General Carlos Gomes Alcantara; Haroldo de Moraes; Camargo Reinaldo Orsi; José C. Marcondes; Antonio R. de Oliveira; Alceu Moraes; Juracy Palpério; Nelson Mazelli; Eduardo Pelegrine; Francisco de Queiroz Tellez; Jerbos de Araújo; Gegê Pinto; José Barreto; Juvelino Figueiredo Farias; Abelar C. da Silva; Gothardo Simões; Reller; Prof. Miller; Jorge Cury; Armando Ferreira; Eduardo Pelegrine; Hassib Cury; Moacir Campos; Eugênio Lacerda; José Antonio Paulielo; Abelardo Corrêa; Benedito Fagundes Peixoto; Sargento Antônio Raimundo de Oliveira; Archipo Fronzaglia; Rodolpho S. Bomeisel; Benedito Fagundes de Castro; Ernani Gumerato; Eugênio Lacerda Justino Chagas; Severiano Paixão; Gastão Motta; José Lambert; Luiz Pasini; Abelardo Correa; tenente Hélio Ferreira da Silva; Pérsio Campos e tantos outros amantes da ética e da Justiça.
Nossas homenagens a todos que combateram e aos descendentes desta linhagem heroica. Desejo que essa história seja mais que lembrada: ela deve ser vivida sempre e exercitada no dia-a-dia.
E você? Tem alguma história interessante da cidade, um fato inusitado ou quer que falemos sobre algum assunto? Peço que ajude a preservar nossa história: envie fotos antigas e participe do grupo no Facebook.
Até semana que vem!