“Redobre a atenção com as mensagens falsas, e não só no grupo da família. Todo mundo anda meio paranoico ultimamente e até pessoas mais instruídas ou com mais familiaridade com as redes estão compartilhando conteúdos duvidosos.” Esse conselho está no blog Hashtag Mídias Sociais e a Vida em Rede, no site da Folha de S. Paulo, num texto de Mateus Camillo sobre como “Fazer com que as redes sociais façam mais bem do que mal durante a quarentena”.
Eis aí um bom desafio, que vale além da quarentena, também. Conteúdos duvidosos, quando não falsos, mentirosos, mal intencionados, criminosos etc., invadiram as redes desde que elas ganharam visibilidade e se mostraram um ágil e universal meio de divulgação.
Assim como a invenção da impressora permitiu o acesso ao conhecimento que era de posse de poucas instituições e ampliou o espaço de debate nas sociedades, as redes possibilitam que bilhões entrem na arena. Democratizou-se definitivamente o debate, possibilitando que cada indivíduo faça sua narrativa? Teoricamente sim, mas é preciso lembrar os lamentos do escritor e intelectual italiano, Umberto Eco, que nos deixou em 2017: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. […] agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.
Sempre se pode classificar essa frase como elitista, emitida por um intelectual que se julgava acima de seus contemporâneos, membro ilustre do olimpo do saber. Mas o que vemos em nossos devices cotidianamente mostra que ele apontou na direção certa. “Imbecis” talvez seja uma palavra muito forte. Há muitos, é claro, mas a maioria está espertamente interessada em distorcer, difamar, tirar vantagens do espraiamento de inverdades, meias verdades – nunca construir. Só semear discórdia e buscar mais poder ou dinheiro ou seja lá o que for.
Tomemos dois exemplos na política internacional que mostram faces diversas do mesmo mundo digital. Pioneiro no uso intensivo da internet em campanha, Barack Obama inovou até no método de arrecadar recursos para suas campanhas presidenciais, abrindo as portas para milhares de pequenos doadores por todo território dos Estados Unidos, escapando da dependência exclusiva dos grandes doadores. Já seu sucessor, Donald Trump, usou largamente as redes sociais para destruir seus adversários, nunca debater propostas de governo.
A mesma ferramenta, dois usos absolutamente contrastantes. Por aqui, no Brasil, a campanha do presidente Bolsonaro usou e abusou das redes sociais, construindo grande vantagem sobre as campanhas de candidatos que ainda não haviam se lançado convictamente no mundo da internet – aliás, me parece que o mundo político ainda não aderiu integralmente a essa nova arena das campanhas eleitorais.
O imenso benefício que a internet e as redes sociais entregam para a comunicação global, em todos os campos do saber e da sociabilidade humana, de certa forma naturalizou-se, é um novo normal que faz parte do cotidiano. É bom que seja assim. Diariamente, milhões de mensagens trafegam pelas mídias sociais com informações úteis, debates, conferências, contatos pessoais, familiares, negócios, enfim, uma relação infinita de conexões proveitosas. Em meio à pandemia desta covid-19, escolas e universidades garantem aulas a distância aos seus alunos graças à internet, empresas de serviços continuam operando em sistema home office, só para citar dois exemplos do momento.
Mas, por ser o novo normal, essa característica benéfica não tem a mesma visibilidade que o lado desonesto, destruidor, da internet e das redes sociais. Tanto é assim que boa parte da mídia e de instituições sérias dedicam espaço e tempo para desmentir e desautorizar fake news, tentando reconstruir verdades irresponsavelmente dilapidadas com o auxílio de robôs assassinos de reputações e verdades.
Atualmente, o jornalismo que busca informar corretamente, seja por intermédio da mídia clássica ou das sociais, chega a ser valorado não por esse mérito intrínseco à sua atividade, mas em contraposição ao perigo representado pelas fake news – o que é uma evidente inversão de valores, pois são as fake news, sob qualquer formato, que envenenam o mundo das comunicações.
Historicamente, cabia a editores em postos-chave das redações clássicas o trabalho de verificar a qualidade das milhares de informações que a eles chegavam, sejam de seus repórteres ou de serviços de distribuição de notícias, assessorias de imprensa e, recorrendo a um jargão, separar o joio do trigo. Dizem os críticos da imprensa que os editores publicam o joio, mas minha longa experiência profissional me mostrou que – excetuada a imprensa marrom e sensacionalista – essa é uma crítica irresponsável, de quem não gosta de conviver com fatos e verdades.
Esse critério ainda existe nas mídias, que tentam sobreviver e se reinventar financeira, editorial e tecnologicamente neste mundo transfigurado pela internet – e um dos valores essenciais dessa travessia é a credibilidade, pois sem ela os leitores, aliás, a audiência, no jargão atual, desaparece. Raciocínio que vale, também, para as publicações digitais que procuram e ganham espaço nas mídias sociais. Publicações que se multiplicam e enriquecem o leque de opções editoriais para os leitores.
Mas no mundo dos blogs, WhatsApp, do Twitter, do Facebook e outras tantas redes essa prática, esse controle de qualidade, não existe. Historicamente, o Facebook tem-se mostrado resistente a controlar editorialmente os posts que abriga, principalmente anúncios políticos e eleitorais. Só recentemente, junto com Twitter e Instagram tiraram do ar posts com notícias falsas ou enganosas sobre a covid-19. A gravidade da crise sanitária os sensibilizou. Nem Bolsonaro escapou. Normalmente, contudo, joio e trigo circulam livremente e são compartilhados aos milhares e a audiência, desavisada, engole gato por lebre.
Ao fim e ao cabo, nós mesmos temos que nos imbuir do espírito de editores e, de acordo com nossas referências, prestigiar o que é sério e descartar, isso mesmo, descartar o que é fake ou desconfiamos que seja. Devemos perguntar-nos uma, duas, três vezes: essa informação é séria, a notícia é verossímil? O que eu sei sobre esse assunto que me causa estranheza em relação a esse post? Quem o está divulgando?
Já que agora todos, involuntariamente, fazemos parte do circuito das notícias, vamos ser um pouco editores também. Quem sabe controlamos a pandemia das fake news?
Texto de Luiz Roberto Serrano, publicado no Jornal da USP
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